Numa interessante entrevista ao canal ARTE a antiga ministra socialista Najat Vallaud-Belkacem dá exemplo muito interessante do tipo de pedagogia a implementar junto das pessoas temerosas dos fatores de desestabilização social (caso dos refugiados e da gentrificação dos seus espaços) que não compreendem, mas julgam vir-lhes a afetar o bem-estar, defendendo por isso a necessidade de um governo autoritário. No fundo aquelas que têm dado fôlego aos diversos movimentos populistas de extrema-direita por toda a Europa à exceção do nosso cantinho à beira-mar plantado. Portugal é, para nosso justificado orgulho, a exceção numa Europa assolada por uma vaga de movimentos e partidos políticos xenófobos.
Perante tais pessoas Najat Vallaud-Belkacem sugere que se faça uma pergunta muito básica: «Então quer dizer que defende a existência de um governo forte com cujas políticas não concorde e a impeça de contra ele se manifestar?»
Invariavelmente a resposta dos interlocutores é imediata na rejeição dessa possibilidade. Momento adequado para lhe endossar a segunda questão: «Então, quer dizer que, afinal, é pela Democracia?»
Este exercício pedagógico tem de ser assumido pelas pessoas de esquerda a quem Najat Vallaud-Belkacem apela a que não se deixem cair numa outra armadilha dos populistas: a falsa existência de um «povo», enquanto massa informe com quem se comunique como se não fosse constituído por uma diversidade de pessoas junto das quais a empatia implica igual diferença de conteúdos e vocabulários. Esse conceito de «povo» é uma caricatura primária, que denuncia a falta de substância dos seus promotores. A exemplo do mito de uma suposta contradição entre esse povo e a «elite», que eles dizem execrar - mas que anseiam por se lhe juntar ou substituir - e configura uma estratégia que se torna urgente derrotar.
O populismo sempre esteve associado a reações retrógradas a poderes injustos. Nasceu como doutrina nos intelectuais russos do século XIX que, antes da Revolução Russa, pretendiam arregimentar os camponeses para combaterem o czar. Nos EUA o People’s Party foi fundado em 1891 para representar os latifundiários e camponeses na luta contra as transformações económicas e sociais suscitadas pelo crescente capitalismo industrial. Recorriam a argumentos aparentemente válidos, mas pretendiam impor falsas soluções, que nada resolveriam, antes agravariam as condições de vida dos que supostamente diziam defender.
Hoje, seja com o rosto de Trump ou de Putin, de Salvini ou de Orban, o populismo veste-se de cores nacionalistas, replicando os movimentos fascistas dos anos 30, como forma de rejeição do que sentem como potencialmente transformador no futuro próximo: um projeto representado por uma União Europeia que, despojada das suas políticas ultraliberais, dê provimento às expetativas criadas historicamente pelos que se filiam na sucessão de Revoluções europeias desde 1789, e reiteram a necessidade de mais liberdade, mais igualdade e mais fraternidade entre os muitos povos, que a integram.
É falaciosa a inexistência de grandes diferenças entre as esquerdas e as direitas em nome de um pragmatismo focalizado nos egoísmos individuais em detrimento do bem coletivo. Pelo contrário, mais do que nunca, tem de existir uma estratificação muito clara entre quem continua a defender a exploração do homem pelo homem através da mão invisível dos mercados desregulados e quem vê no Estado o ator determinante na diluição das injustas oportunidades dadas aos indivíduos só por nascerem em sítios, em classes sociais diferentes. A exemplo do que está a verificar-se nos Estados Unidos em que Bernie Sanders ou Elizabeth Warren recorrem sem preconceitos ao Socialismo como guião dos respetivos programas, urge que a Europa se livre de vez dos fantasmas libertados pela queda do muro de Berlim e pela implosão da União Soviética, voltando a trazer para primeiro plano a alternativa socialista como modelo ideológico, económico e cultural para um futuro melhor.
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