Esta foi a semana em que vimos o bastonário da Ordem dos Médicos revelar invulgar humildade ao pedir desculpa aos portugueses pelo disfuncionamento da sua instituição, particularmente denunciado na tragédia vivida pelos pais do bebé de Setúbal, nascido com malformações ignoradas em sucessivas ecografias.
Estávamos tão habituados a ver Miguel Guimarães nas notícias a dizer cobras e lagartos do Serviço Nacional de Saúde, que um breve parêntesis nessa costumada atitude suscitou-nos natural atenção. E o parêntesis pareceu tão curto, porque feito o ato de contrição logo ele, na mesmíssima intervenção, veio acusar outros responsáveis públicos de modo a sentir menos pesada a carga da culpa nos ombros.
Há, porém, outra responsabilidade a atribuir à Ordem desde há várias décadas e, infelizmente comum a todas as instituições similares por toda a Europa: a tentativa de conservar a natureza elitista da classe médica, restringindo tanto quanto possível o acesso a ela aos muitos jovens vocacionados para exerce-la, mas disso impedidos por obstáculos do tipo numerus clausus.
Os dirigentes das classes médicas cuidaram de manter exígua a sua dimensão para que não ficassem em causa os proventos e o estatuto social. Agora chega-se à constatação que, por toda a Europa, faltam médicos e se sabe estarmos ainda longe da fase mais aguda de tal crise. É que, nos próximos anos, vai-se reformar percentagem substancial dos médicos generalistas do continente e não haverá quem os substitua.
Se a situação é grave em Portugal, apesar de ser o terceiro país europeu com mais médicos por 100 mil habitantes, imaginem-se agora as carências nos demais parceiros da União. Na Suécia, por exemplo, há grávidas que têm de se deslocar mais de cem quilómetros para serem assistidas no parto, acontecendo eles ocorrerem no percurso. Na Alemanha há vastas regiões sem médico pelo que se adaptam autocarros a clínicas gerais ambulantes, movimentadas de terra em terra para assistirem quarenta ou cinquenta pacientes diários. Na Roménia os médicos zarparam para os países ricos do norte da Europa - que minimizam dessa forma as carências! - tornando muito difícil o direito da população aos serviços de saúde.
A situação assume dimensão tão calamitosa, que exigir-se-ia um programa europeu para resolver o caso. Porque imaginemos que a Ordem dos Médicos, os Sindicatos e as Faculdades de Medicina acordariam com o novo governo uma estratégia para formar um número significativamente mais elevado de profissionais. Quem nos garantiria que, tão-só dotados das necessárias competências eles não seriam atraídos pela Alemanha, pela Escandinávia ou por outros horizontes geográficos, que cá viessem vampirizar o investimento feito em tal intenção? Eis, pois, uma boa matéria para a próxima Comissão fazer o que se torna tão necessário em vez de se limitar ao papel de marioneta dos muitos e sinistros lobbies radicados em Bruxelas...
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