Na primeira parte deste Breve Tratado vimos como no laboratório dedicado à identificação dos fenómenos políticos nacionais, e à busca de tratamento para as doenças suscitadas pelos sucessivos vírus das direitas, a Marcelologia assume relevância maior, sobretudo quando tenderão a passar por Belém as iniciativas para virar do avesso a tendência eleitoral de há uma semana atrás.
Na hipótese de hoje debruçamo-nos sobre o delicado momento em que António Costa telefonou a Marcelo para se demarcar totalmente da tentativa de quem, no Ministério Público, quis associá-lo ao caso Tancos e viu-se desfeiteado com a escusa a ser atendido. Se o gesto teve profundo significado político, porque demonstrativo do que costuma ir na alma do nosso objeto de estudo em tudo quanto diz respeito ao governo - mesmo que as palavras soem quase sempre hipocritamente corretas! - pior ainda revelaram quando assoprou o incidente para o «Expresso», que lhe deu o devido enfoque com objetivos propagandísticos antissocialistas em vésperas da ida às urnas.
A tese que tal caso suscita é óbvia: naquele instante Marcelo alimentou a injustificada esperança de que a acusação do caso Tancos produzisse tais danos na votação do PS, que veria resolvida de vez a questão hamletiana relacionada com a reeleição (“recandidatar-me ou não recandidatar-me, eis a questão!). Desconhecendo se o governo teria ou não estamina bastante para os quatro anos seguintes, e pressentindo a possibilidade de aguentar o segundo mandato na condição de general de um exército sem soldados bastantes para avançar para a batalha - a crise das direitas ameaça ser prolongada, ele próprio o intuiu em entrevista no ano transato! -, Marcelo aproveitou a entrevista à SIC para preparar saída airosa sob a forma de se fazer coitadinho em relação a um problema de saúde de lana caprina. Qualquer médico di-lo resolúvel através de pequena cirurgia idêntica à aplicada anualmente a milhares de pacientes do Serviço Nacional de Saúde. A assumida hipocondria ainda lhe garantia uma outra satisfação depois do prolongado ocaso suscitado pela campanha eleitoral: devolver-lhe protagonismo porque, quase tanto como abraços e selfies, os portugueses pelam-se por mostrar compaixão pelos doentinhos. É olhar para os nossos poetas do início do século passado - António Nobre ou Teixeira de Pascoaes - para ver glosado o tema com a maior das comoções!
Temos assim o nosso objeto de estudo a entrar no período eleitoral com a inquietação, justificada por algumas sondagens, em como se tornaria num mero corta-fitas de António Costa durante os quatro anos seguintes e melhor lhe valeria o oportuno alibi para garantir o lugar na História enquanto presidente, que nada terá feito de substantivo, mas ficaria na memória como extremamente simpático. O episódio Tancos surgiu-lhe como o último alento do moribundo, que o ilude quanto a milagrosa remissão do mal.
Que não foi assim ditaram-no os resultados eleitorais e os encontros de António Costa com os diversos partidos das esquerdas (mais o PAN, que neles não se insere!). É por isso que a terceira parte deste Breve Tratado irá dedicar-se à evidente mudança de discurso que Marcelo ensaiou nestes últimos dias em relação ao próximo governo...
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