Não é preciso fazer grande exercício de imaginação para contornar a dificuldade de não conhecer ninguém nessa situação: de entre os funcionários agora despedidos pelo CDS como consequência prática dos resultados de 6 de outubro haverá um jovem particularmente atarantado com o que lhe caiu em cima. Chamemos-lhe, por exemplo, Dinis ou Sara, que valem para os tempos atuais o que era no meu tempo o João ou a Maria.
Aluno não muito brilhante terá conseguido um mestrado, ou mesmo uma licenciatura, numa das universidades privadas porque a família, endinheirada, assim o terá decidido por uma questão de princípio.
De canudo na mão e analisado o mercado do trabalho, não muito assertivo para com as medianas habilitações, ter-lhe-á surgido a oportunidade de um contrato no partido sedeado no Largo do Caldas, o que vinha mesmo a calhar por ser o da preferência familiar.
O entusiasmo cresceu com o bom desempenho das tarefas pedidas e receber as atenções daqueles políticos, que costumava ver na televisão. Por isso nenhuma preocupação lhe assistiu quando, na altura das campanhas, não se olhavam para as horas trabalhadas. Até porque essa história dos horários de trabalho era mais coisa de sindicatos, que tanta repugnância lhe causavam.
Quando a líder conseguiu um grande resultado nas autárquicas a euforia foi inevitável. O patrão era o partido que, muito em breve, teria à frente a futura primeira-ministra. O salário por certo aumentaria e até seria provável a requisição para uma qualquer função, senão de assessoria ou consultoria, pelo menos de funcionário de um dos ministérios. A transição para a função pública constituiria o desígnio mais ansiado, porque daria a segurança para, enfim, casar e constituir a própria tribo.
Verão adentro as coisas começaram a virar para o torto. As noites mal dormidas cavaram olheiras à medida que as sondagens tornavam previsível o desastre.
Quando aconteceu já nem sequer reação suscitou. Apenas a confirmação da tristeza, que se ia resvalando para a depressão.
Nessa noite, ao regressar a casa, já adivinhava o que lhe confirmariam na semana seguinte: tornara-se dispensável devido ao corte abrupto nas receitas. Ao sair pela última vez do sítio onde passara os anos mais recentes nem o consolo do cheque no bolso lhe serviu de paliativo. Compreendeu que voltava a ter tudo por reiniciar...
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