quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Um populismo, que serve para defender os interesses dos do costume


Um antigo colega de liceu costuma ficar muito irritado quando aqui vou elencando as razões para considerar que Marcelo Rebelo de Sousa é um péssimo presidente, e que os portugueses nada lhe têm a agradecer pelas evidentes melhorias na sua qualidade de vida nos últimos três anos - apenas mérito do governo e dos partidos da maioria parlamentar!  - mas apesar do que o inquilino de Belém vem fazendo para o impedir.
- Lá estás tu com a tua obsessão com o Marcelo! - costuma dizer-me.
O que tenho contra Marcelo não é apenas ter privado o país de ter como seu superior representante uma personalidade com as características cívicas e intelectuais de António Sampaio da Nóvoa. Se a Primeira República teve em Manuel Teixeira Gomes um exemplo de como o país maltrata os seus melhores expoentes, a que agora vivemos desperdiçou a oportunidade de contar com o atual embaixador na UNESCO.
Razões maiores me tem dado Marcelo nos últimos dias para execrar-lhe os atos e confirmar o que aqui tenho reiterado: não só dele não saiu qualquer proposta que contribuísse para melhorar a governação e ter efeito concreto na vida de quem quer que seja - pela função não tinha que o fazer, mas não tem de agir como se isso lhe estivesse nas competências! - como também vem demonstrando  a razão de se ter candidatado e ganho a Presidência da República: não está no cargo para fazer o que quer que seja, mas para não deixar que o decidido pelo governo possa colidir com os interesses de quem o tem como sua marioneta.
Quando avisa o governo que não promulgará a nova Lei de Bases da Saúde se ela beliscar os lucros dos grupos económicos, que dela fazem indecoroso negócio, atua inequivocamente em prol dos grupos Mello, Luz, Lusíadas ou Trofa. E o escândalo até é maior, porque nem esperou pela discussão do novo diploma na Assembleia da República para definir, extemporaneamente, qual a linha vermelha a não querer ver ultrapassada.
O mesmo se passou agora com a questão da composição do Conselho Superior da Magistratura. A autonomia dos juízes até seria um valor inquestionável se não tivessem ocorrido dois factos, que a tornam problemática: não só essa classe profissional prescindiu objetivamente de ser respeitada como órgão de soberania ao reivindicar direitos sindicais, como deixou de se assumir como, em tantas sentenças, fiel da balança entre os argumentos da defesa e os da acusação, colando-se acriticamente a esta última. Para os cidadãos portugueses a judicialização da política é um perigo tão grave quanto o da financeirização da sua economia. E, no entanto, quando Rui Rio e Jorge Lacão tentaram devolver alguma transparência ao órgão superior de gestão e disciplina dos juízes, logo Marcelo botou faladura para manter as coisas tal qual estão, e que tão bem têm servido os interesses de políticos de direita muito justamente suspeitos em casos de corrupção.
Para cumprir esse papel de defesa dos interesses dos que anseiam por melhor explorarem os portugueses e limitar-lhes os direitos fundamentais, Marcelo usa e abusa do comportamento populista, distribuindo beijos, abraços e selfies.
É nesse sentido que se compreende o encontro de ontem com os camionistas de uma associação fascistoide, que teriam dado sinais de colaborarem com a arruaça prevista para amanhã.
Ao «Expresso» um tal Fernando Frazão, que parece dirigir esse gangue, reconhece ter tentado há pouco tempo impedir a entrada em Lisboa pelo lado de Alverca, contando para tal com a promessa de quatro mil colegas e, afinal, só dezasseis compareceram ao chamamento. Provavelmente os que ontem se juntaram a Marcelo numa comezaina, que serviu os propósitos de quem deles se fez convidado.  Ocorre, pois, perguntar: porque terá Marcelo querido dar-lhes tal publicidade? A leitura é óbvia: adivinhando o fracasso da programada assuada, Marcelo aproveitou para dar a impressão de ser ele quem tem o poder para travar os protestos contra o governo.
Os incautos, como aquele antigo condiscípulo de que falei no início, pensarão: lá esteve o Marcelo a dar uma mãozinha ao António Costa para que as coisas não se agravem contra ele. Quando, na realidade, repetindo a conduta maquiavélica que lhe é própria, Marcelo quererá aparentar apoio a um governo, cuja ação tudo faz por sabotar.

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