sábado, 8 de dezembro de 2018

O declínio de três grandes narrativas


Não subscrevo muito do pensamento de Yuval Noah Harari, mas as suas vinte e uma lições para o século XXI apresentam propostas pertinentes, que fazem todo o sentido escalpelizar. Por exemplo aquela com que inicia o ensaio e constata como nós, humanos, valorizamos as histórias que nos contam, em detrimento do que nos revelam os números ou equações facilmente acessíveis à análise. Somos sensíveis a mistificações e dificilmente as sujeitamos ao escrutínio da sua coerência.
Harari sugere uma estruturação da História do século XX em torno de três narrativas, que nela terão desempenhado importância maior: a fascista, a comunista e a liberal.
A Segunda Guerra eliminou a alternativa fascista, apesar de Salazar e Franco terem escapado a tal funeral. O Muro de Berlim terá acabado com a ilusão comunista (e está aqui um dos motivos de divergência com o autor, porque ela constituíra praxis desviante da matriz marxista original). O suposto fim da História, com a triunfante primazia da falácia liberal, que daria livre curso aos mercados, mas também à pluralidade das ideias e dos costumes, ruiu com a falência da Lehamn Brothers em setembro de 2008.
Chegámos, assim, ao culminar de um caos ideológico em que as grandes soluções do passado perderam validade e nenhuma outra emerge como capaz de se converter numa nova estória passível de ser acreditada pela maioria dos contemporâneos. Daí a tentação de quem recupera argumentos, que julgáramos datados (xenofobia, racismo, homofobia, etc.) e os consegue traduzir em discursos eleitoralmente atraentes para uma multidão de desconcertadas cabeças, que não sabendo a que mais se agarrar, se vêem tentadas a odiar quem lhes surge como diferentes e a incensarem os que aparentam ser líderes fortes.
A construção de muros, a invocação de espúrios patriotismos e o repugnante justicialismo de uns quantos bastam para que inquietem as situações hoje vividas nos EUA ou na Hungria, no Brasil ou na Polónia, em Itália ou nas Filipinas. Em contraponto, embora assumindo o poder sem dar azo a discursos alternativos, o regime chinês vai conduzindo o grande país asiático para a condição de mais relevante superpotência da segunda metade do século XXI. O que leva Harari a questionar-se: “hoje em dia, poucos estão convictos quanto à possibilidade de o Partido Comunista Chinês encontrar-se do lado errado da História”.
Ora, na ressaca do declínio do discurso liberal, Hariri deixa implícita a minha perspetiva: havendo tantos exemplos históricos em como a História tende sempre a repetir-se duas vezes, a primeira como tragédia, a segunda como breve farsa, o atual momento de aparente ressurgimento dos fascismos tende a esgotar-se, quando os povos sentirem os danos do respetivo veneno. Se ele nunca se revelou benéfico para o avanço da civilização humana, acabará rapidamente desmascarado na sua inconsequência, mesmo à custa de muitas vítimas que, infelizmente, serão apanhadas pelos seus efeitos.
Virá, então, outro ressurgimento, que se espera diferente, por terem sido compreendidas, entretanto, as lições  das suas desviadas implementações. Por ser a mais óbvia aproximação à ideia de Utopia, o Socialismo tenderá a recuperar o brilho do passado, transitoriamente ofuscado por décadas de aplicação totalitária ou pela recente e embusteira Terceira Via.

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