Estava ontem a aqui referenciar Thomas Piketty como um dos mais estimulantes pensadores contemporâneos e ainda nem sabia que acabara de publicar no «Guardian» um pertinente Manifesto para salvar a Europa de si mesma, reduzindo a desigualdade dentro dos países, e não entre eles, e investindo no futuro de todos os seus cidadãos. É que, segundo o autor, “o nosso continente está preso entre movimentos políticos cujos programas se concentram em perseguir estrangeiros e refugiados e aqueles que se reclamam europeus mas na realidade continuam a achar que o liberalismo incondicional e a promoção da concorrência são suficientes para definir um projeto político.“
Nas mudanças fundamentais propostas pelo professor da Universidade de Paris e ao qual se associam muitos outros intelectuais, que se preocupam com o devir do continente, existe um sentimento de urgência: “temos de agir com rapidez, mas também temos de tirar a Europa do presente impasse tecnocrático”. Para tal propõe a criação de uma assembleia europeia que pode ser criada sem mudar os tratados europeus existentes e constituída em 80% por membros oriundos dos parlamentos nacionais, e em 20% do atual Parlamento Europeu. Será esse novo forum - capaz de estabelecer uma interligação com o Eurogrupo e contornando o bloqueio da necessária unanimidade para se decidir o que quer que seja a nível da União Europeia -, que poderá desenvolver um tratado de democratização e um projeto orçamental.
O objetivo será o de construir um novo modelo para garantir o desenvolvimento social justo e duradouro dos seus cidadãos, fazendo pagar os devidos custos aos que têm sido os únicos beneficiados com a globalização. Ou seja, aquilo que até agora não aconteceu! Daí que as grandes empresas devam contribuir mais do que as pequenas e médias empresas, e os contribuintes mais ricos paguem mais do que os contribuintes mais pobres.
O novo orçamento europeu será financiado por quatro grandes impostos obtidos a partir dos lucros das grandes empresas, dos rendimentos mais elevados (mais de 200.000 euros por ano), dos maiores proprietários de riqueza (mais de 1 milhão de euros) e das taxas sobre as emissões de carbono (com um preço mínimo de 30 euros por tonelada).
“Se for fixado em 4% do PIB, como propomos, este orçamento poderia financiar a investigação e formação nas universidades europeias, um ambicioso programa de investimento para transformar o modelo de crescimento económico, o financiamento da receção e integração de migrantes, e o apoio dos envolvidos na realização dessa transformação. Poderia também dar alguma margem de manobra orçamental aos Estados membros para reduzir a tributação regressiva que pesa sobre salários ou consumo.”
Prevendo as resistências dos governos mais nacionalistas a proposta de Piketty não exige a imediata adesão de todos os países da União Europeia, apostando nos quatro maiores, que representam cerca de 70% do PIB e da população, e a eles se associando os que assim o desejem.
Poder-se-á considerar que é arrojado demais para conseguir ser implementado no prazo curto, que as circunstâncias excecionais desta altura o exige, mas este projeto constitui uma alternativa consistente para superar a falta de Visão dos atuais atores políticos europeus e devolver esperança de futuro para os milhões de cidadãos, que dela se sentem tão falhos.
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