terça-feira, 4 de dezembro de 2018

O que sucede quando se quer ser quem não se deveria ser


Embora as situações políticas em França e na Andaluzia pareçam diferentes, ambas radicam nesse enorme logro, que se chamou Terceira Via e pareceu conferir a Tony Blair, durante alguns anos, a aparência de um génio da política. Sabemos que o não era como se comprovou quando serviu de animal de estimação de George W. Bush na criminosa agressão ao Iraque de Saddam Hussein, mas demorou tempo a perceber como foi possível a esquerda social-democrata reduzir-se à sua mínima expressão e dar fôlego aos atuais movimentos populistas de extrema-direita. Hollande, e Rienzi em Itália, foram dois exemplos a confirmarem o essencial: quando uma certa esquerda anseia tanto pelo poder, que esquece os seus valores fundamentais, está condenada a definhar.

Aproveitando as distrações de Hollande com os seus passeios de lambreta, Manuel Valls desgovernou a França em nome do Partido Socialista, não se diferenciando em nada do que faria um qualquer partido de direita, que ocupasse o Eliseu e o Matignon. O benefício da traição não recaiu no principal infrator, beneficiando quem se mostrara mais manhoso, e saíra atempadamente do naufrágio desse quinquénio com a aura de ser um brilhante economista capaz de devolver à França a grandeza tão glosada pelos seus incuráveis chauvinistas.
O resultado está à vista: porque nem as direitas, nem as esquerdas parlamentares mostram ter competências para corresponder ao desagrado da maioria dos cidadãos, que sentem as carteiras cada vez mais minguadas de euros, as avenidas parisienses e muitas vias de circulação nas cidades de província têm-se enchido de contestatários. As direitas, e Marine Le Pen em particular, acarinharam o movimento julgando possível encabeça-lo. Mas, porque inorgânico e com uma agenda bastante mais à esquerda do que desejariam os putativos tutores, ele acabou por ganhar uma dinâmica, que assusta as direitas, agora temerosas de terem dado azo a um novo maio de 68. O que se verificou no fim-de-semana está muito para além dos atos de vandalismo com que as televisões se comprazeram: é a luta de classes a ressurgir com os mais pobres a insurgirem-se contra o presidente dos mais ricos, pelos mais ricos e para os mais ricos. Macron tem o destino traçado, falta ver quem se lhe seguirá. E, ao contrário do que os mais pessimistas vão aventando, as circunstâncias não obrigarão a ter em Le Pen a santa padroeira dos desvalidos revoltados.
Na Andaluzia aconteceu com Susana Diaz o mesmo que ocorrera nos vizinhos além-Pirenéus: muito ligada a Felipe Gonzalez, que envelheceu bastante mal (embora não esqueçamos a forma como mandou criar uma milícia para assassinar membros da ETA e da extrema-esquerda!): a crença de que , tanto mais se aproximasse dos valores e práticas da direita, e melhor conservaria o poder absoluto naquela região espanhola. A pretensão até era mais ambiciosa, dado ter-se empenhado por duas vezes em obstar ao sucesso de Pedro Sanchez como líder do Partido Socialista Operário Espanhol.
A eleição do fim-de-semana confirmou a regra: virando à direita, numa suposta orientação social-democrata, os socialistas são seriamente penalizados pelos eleitores. Que eles se virem para a extrema-direita, só revela quão urgente é que as esquerdas se voltem a assumir diferentes e bem claras nas propostas que possam melhorar a vida dos seus cidadãos.

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