sábado, 7 de dezembro de 2013

LIVRO: «A Caça ao Meteoro» de Jules Verne

Em 1905, quando morreu, Jules Verne possuía diversos romances prontos ou a aguardarem revisão para serem publicados no seu editor de sempre, Hetzel. Quis o acaso, que este também morresse nesse mesmo ano, pelo que essas obras póstumas ficaram na mão do filho do editor e no de Jules Verne, Michel. E a asneira consumou-se: convencidos da necessidade de adaptarem esses textos de garantido sucesso às novas modas, ambos optaram pela sua reescrita a cargo do segundo.
Essa operação bizarra saldou-se por um completo fracasso, quer de vendas, quer sobretudo de qualidade literária. Só já no último quartel do século XX é que a Sociedade Jules Verne empreendeu o trabalho de repor esses textos nas suas versões originais em conformidade com o conteúdo dos manuscritos do escritor estudados pelos respetivos especialistas.
«A Caça ao Meteoro» não é, de facto, um grande romance, com erros e inverosimilhanças a cada passo, mas constitui uma curiosidade a levar em conta até pelo facto de muito revelar sobre quem o escreveu.
Em primeiro lugar a demonstração de, mesmo no fim da vida, quando já se aproximava da condição de octogenário, Verne nunca ter esquecido o seu primeiro e fracassado amor pela bela Herminie, cujos pais trataram de a casar com um rico proprietário agrícola para que não mantivesse a fixação afetiva por um estudante sem eira nem beira. Assim, neste romance temos um jovem casal, Francis e Jenny, cujo casamento é posto em causa pela agreste rivalidade entre o tutor dele e o pai dela, ambos astrónomos amadores dispostos a tudo para se verem reconhecidos como descobridores de um meteoro subitamente surgido nos respetivos telescópios.
Depois, existe a ironia anticapitalista do autor, que descreve o desvario coletivo apossado de pessoas normais e de nações inteiras, quando se descobre a composição desse meteoro quase em vias de cair na Terra: ouro às toneladas. Pela mente do escritor não parece ter passado a possibilidade de um meteoro se desfazer normalmente em contacto com a atmosfera terrestre, nem com o perigo para o próprio planeta de um calhau de tal dimensão.
E, a culminar tudo isso, a bonomia com que Verne encara a revolução dos costumes, que possibilita o divórcio tipo simplex, sem que ninguém pareça espantar-se ou ficar magoado com ruturas conjugais.
Em suma, mesmo tratando-se de um mero entretenimento, «A Caça ao Meteoro» revela bastante sobre um autor, que teve o mérito de divertir gerações de leitores e sempre pugnou por uma ética de valores, que continuam a manter a sua pertinência. Daí que a conclusão seja moralista com o ouro tão ambicionado por quase todos a desaparecer no fundo do mar de Baffin.
É claro que podemos sorrir com a ingenuidade da intriga e com a mera funcionalidade do estilo literário do autor, mas, convenhamos, que há formas bem piores de gastar tempo do que regressar a estes resquícios da nossa distante adolescência...


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