Marx não foi o poeta imaginativo, que concebeu em tese uma sociedade sem classes. Ele era um homem de ação e escrevia para que ela se produzisse.
Não foi também o primeiro a ter pensado no comunismo como alternativa política, mas foram às suas ideias que se colaram os movimentos de massas, se formaram partidos e sindicatos e se alimentaram conflitos e revoluções. No limite até foram criados Estados inspirados nos princípios por ele enunciados.
Na realidade Marx era um produto da Revolução Francesa, cuja Declaração defendia que os homens nascem livres e iguais perante a Lei. Mas se em princípio era assim, a realidade revelava-se diferente: a tese axiológica, ético-política, apontava mais para um desejo que assim fosse do que para a sua tradução factual. Se nos lembrarmos do exemplo lapidar das sufragistas inglesas verificamos que, até no direito ao voto, a desigualdade de género persistiu por mais de um século.
Como escreveu Mona Ozouf: a igualdade formal camufla as desigualdades reais, mas não as protege duradouramente. Evidencia a enorme mistificação da sociedade em relação ao princípio em que se baseia.
Desde 1789, que o debate sobre a igualdade se mantém e Marx encarou-a como uma questão chave de justiça inscrevendo-se na tradição do que Buonarroti e Babeuf já tinham defendido. Mas, em vez de atribuir a desigualdade à paixão pela riqueza e aos privilégios típicos do Antigo Regime, ele identifica-a como resultante do modo de produção capitalista, só possível mediante o esbulho de uma parte da força de trabalho de cada um dos trabalhadores a ele submetidos. O contrato entre o trabalhador e o patrão assenta numa desigualdade em que este último se apossa da mais-valia entre o que aquele produz e o que recebe em troca.
Marx identifica a burguesia como a verdadeira vencedora da Revolução Francesa, não porque surgisse de uma aristocracia reciclada pelo dinheiro, mas pelo seu papel na condução do modo de produção capitalista, que se revelou o mais eficaz até então para promover o fluxo crescente, e cada vez mais global, das mercadorias.
Não existe capitalismo sem essa desigualdade original. Daí que os liberais mais esclarecidos procurem associar essa desigualdade como um imperativo para a criação de riqueza, tornando-se tão vital para as sociedades humanas como os mecanismos de seleção natural para a sobrevivência das espécies.
Pelo contrário Marx concebeu uma repartição equitativa dos bens produzidos, que se traduziria numa «paixão pela igualdade» e na erradicação ética do capitalismo como algo a contrario do que uma racionalização humanista das relações sociais pressuporia.
Mas forçoso foi constatar que as diversas revoluções do século XX, quer na Rússia, quer na China, quer noutros países momentaneamente conquistados para a causa marxista, falharam mais ou menos estrondosamente.
Hoje devemos interrogarmo-nos porque não se cumpriu até agora a previsão quase determinista de Marx. Terá sido porque o capitalismo conseguiu diluir as suas desigualdades mais gritantes? Obviamente que não: são os próprios relatórios anuais das Nações Unidas a comprovarem uma distância cada vez maior entre os muito ricos e os muito pobres.
Ou terá sido, porque a classe indigitada por Marx para liderar a revolução - o proletariado - terá deixado de existir? Também falso, muito embora não escasseiem “sociólogos” apostados em reduzir a condição proletária à dos operários nas fábricas do passado. Na realidade há uma percentagem cada vez maior da população mundial a vender a sua força de trabalho a um número progressivamente menor de empregadores, porque o capital se foi concentrando em monopólios e oligopólios vocacionados para a exploração á escala global., concentrando em si a acumulação do capital.
Esse capitalismo global pretende persuadir-nos que a desigualdade é necessária para manter o sistema em funcionamento, através de falácias como competição ou concorrência. Como prémio à renúncia a uma sociedade baseada na igualdade, o indivíduo poderia, recorrendo a todos os meios, lícitos ou ilícitos, inserir-se num mecanismo de ascensão social. Individual.
O que a questão da Igualdade nos mostra é que não necessitamos de inovar o que quer que seja no domínio da filosofia política: inatingível até agora, a Igualdade proposta na Declaração da Revolução Francesa ainda está por cumprir-se. A inovação terá de passar, sim, pela criação de novas estratégias para fazermos possível aquele objetivo!
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