sábado, 7 de dezembro de 2013

FILME: «Atlas» de Antoine d’Agata

Antoine d’Agata recolheu testemunhos e fragmentos da vida de prostitutas do mundo inteiro para criar este filme, que constitui uma deriva poética e incómoda em torno dos prazeres da droga e do sexo.
De Kiev a Havana, passando por Mumbai, Beirute ou Phnom Penh, o fotógrafo e cineasta, ele próprio acossado pelos seus próprios demónios relacionados com ambas as dependências, filmou as palavras e as imagens das prostitutas, que foi conhecendo. Sempre à noite, em quartos de hotel ou em bairros da lata, em casas de banho, em hammams ou em ruas desertas, essas mulheres evocam em voz off a solidão em que vivem, a relação com o prazer e com os homens, o medo de viver, de morrer ou de adoecer.
Permitem que o cineasta filme as cópulas, as experiências alucinogénias e as inevitáveis crises de carência. É o espetáculo de um mundo marginal tão incómoda, quanto necessária e onde a carne parece ser a única alternativa à morte. É um filme que se vai desenhando em paralelo com uma estranha autobiografia do artista confrontado com a sua própria responsabilidade de cineasta, com a sua dependência e, por fim, com a vaidade de “testemunha inútil”.
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Numa deriva por diversas latitudes, este discípulo de Nan Goldin e de Larry Clark, compilou fragmentos de palavras, de cenas e de retratos. Com que objetivo?
Prostitutas de que é cliente e com quem partilha o prazer da droga. Um prazer que lhe permite viver mais intensamente, de contrariar a doença, a solidão, o medo e a morte.
Em sucessivas situações e outras tantas mulheres que, em monólogos frequentemente desesperados, se dirigem ao cineasta - ou às vezes o invetivam! - Antoine d’Agata força o nosso olhar a escrutinar um universo que teríamos preferido desconhecer.
Recentemente com as suas exposições «Anticorpos» em Paris e «Odisseia» em Marselha, este membro da agência Magnum - para quem a vida precede sempre a imagem - já experimentara a errância para se colocar no centro da violência dos mundos marginalizados : o das prostitutas, o dos imigrantes ilegais, o dos trabalhadores pobres.
Um trabalho arriscado e eminentemente político, longe da postura romântica ou provocadora, que lhe poderiam atribuir.
Assumido herdeiro dos situacionistas, Antoine d’Agata faz uma autêntica psicogeografia ao jeito de um Guy Debord, compondo uma série de cartas subjetivas em torno dos prazeres alucinogénios e sexuais, de pequenas frações do espaço-tempo, de ambientes esquivos, intensamente vividos, filmados em claro-obscuro.
Aqui e ali as raparigas posam a seu pedido, masturbam-se ou entregam-se a ele, drogam-se sozinhas ou em grupo.
Em contraponto, temos os seus testemunhos violentos e estranhamente poéticos, depurados até ao essencial pelo cineasta e envolvidos em ritornellos musicais repetidos até à exaustão.
Trata-se de um périplo incómodo, cruel e subversivo, à beira do vazio e da loucura, de que o artista - colocado diretamente à prova - não sai indemne, como se se tratasse de um Atlas a vergar-se sob o peso de um mundo que pretendia carregar às costas.
Resta este documento cinematográfico extraordinário, que consegue escapar ao voyeurismo graças a uma poesia perturbadora, viva e sombria.



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