Há um quarto de século, quando o paquete onde trabalhava passava os verões a cirandar pelos fiordes da Noruega, um dos programas de cinema mais frequentados a bordo era o «Rebeca» de Hitchcock.
Terá sido essa a última vez que vi esse filme a que não me importava nada de voltar - e decerto o fá-lo-ei à primeira oportunidade ! - mas a sua recordação ainda continua bem viva na memória. Sobretudo, porque, nessa sua primeira experiência em Hollywood, o mestre inglês dera todo o sentido àquela criação de expectativas tão característica no seu cinema, pondo-nos, enquanto espectadores, a ansiar pelo sucesso da protagonista no seu duelo desigual com o fantasma da anterior esposa do novo marido. E, sobretudo, com a tenebrosa Mrs. Danvers, que se constituíra em sacerdotisa mor do culto a essa idolatrada Rebeca.
A sala de projeção enchia e não começava a esvaziar senão quando o genérico chegava ao fim, como se, quem acabava de se libertar das angústias no happy end final, ainda precisasse de ir até às notas finais da partitura de Franz Waxman para regressar ao presente e à paisagem superlativa, que lá fora ia desfilando àquela luz de um lusco fusco, que nunca chegava a desembocar numa verdadeira escuridão.
Recordei essas vivências, quando agora ouvi a notícia da morte de Joan Fontaine. Na realidade, já julgava que, quer ela, quer a irmã, Olivia de Havilland, com quem teve uma rivalidade muito mais turbulenta do que costumam ser as das irmãs, já não estivessem entre os vivos.
É que essa Hollywood fascinante, capaz de nos prodigalizar grandes filmes, facilmente catalogáveis como obras de arte, já é só uma saudade. O grande cinema deu lugar a blockbusters sem alma, de conteúdos gelatinosos.
Podemos ver bons filmes independentes, mas já não são essas obras, que nos impressionam e são memoráveis a vinte cinco anos de distância. E que tinham atores e atrizes da dimensão da que agora desapareceu…
A morte de Joan Fontaine só nos pode devolver a grata recordação de um passado em que tudo parecia bem mais prometedor do que este tempo de desencanto, de esperanças negadas por quem comanda os destinos de todos nós. E que, se de divino algo têm, só se for na sua dimensão satânica...
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