quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

IDEIAS: Antígona e a génese do direito natural

Locke é o fundador do direito natural enquanto forma de jurisdição ideal para o qual deverá tender o direito positivo, ou seja aquele que está em vigor num dado país numa determinada altura.
O direito natural será uma espécie de manifestação da vontade divina, que urge como uma espécie de bússola destinada a orientar o direito positivo, que lhe é anterior.
«Antígona», a tragédia de Sófocles, ilustra as vicissitudes de tal confrontação. Para os Gregos, a protagonista encarna a fidelidade e a piedade filiais. Filha de Édipo e de Jocasta, acompanha o pai cego na sua errância expiatória. Quando ele morre regressa a Tebas para constatar que os dois irmãos se envolveram numa terrível guerra pela conquista do trono, que ficara vago. Ambos morrem em combate e será o tio, Creonte, a presidir aos destinos da cidade.
O novo líder de Tebas decide organizar um faustoso funeral a um dos sobrinhos, Etéocles, enquanto nega ao outro o direito à sepultura. Este último, Polinices, recorrera à ajuda do rei de Argos, trazendo exércitos inimigos até às muralhas da cidade, que assim traíra.
Mas Antígona não pode aceitar o édito de Creonte. Segundo ela, existem prerrogativas inerentes à natureza humana, entre as quais se contam o direito à sepultura. E dirige-se a Creonte nestes termos:
- Não imaginava que os éditos de um mortal como tu tivessem força bastante para infringir as inabaláveis leis, as leis não escritas dos deuses!
Contornando a proibição do soberano, ela é enterrada viva no túmulo dos Labdácidas.
O confronto entre Antígona e Creonte corresponde ao conflito dessas duas conceções do direito. O rei de Tebas recusa a prioridade da lei natural e a sua recusa implica uma sucessão de mortes, que atingem a sua própria residência.
O suplício da sobrinha implica o suicídio do filho, Hémon, a quem Antígona fora prometida, e o da própria esposa, que não pode suportar o gesto e a ausência desse filho único e tão amado.
A intransigência de Creonte volta-se contra ele próprio: é punido por ter pretendido impor o direito criado pelos homens - o direito positivo - contra o direito instituído pelos deuses, antes mesmo dos homens decidirem-se a viver em sociedade - o direito natural.
Para Locke e seus continuadores, o pacto social não faz senão garantir ao estado natural uma maior estabilidade. Adam Ferguson propõe, em 1767, uma definição eloquente sobre os objetivos do «contrato social»: Não se trata de instituir a sociedade, mas de aperfeiçoar a sociedade em que a natureza nos colocou.
Desde então consideram-se dos direitos humanos como diretamente oriundos desta interpretação, como se comprova com o artigo 2 da «Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão», datada de 26 de agosto de 1789: o objetivo de qualquer associação política é a conservação dos direitos imprescritíveis do homem.
Trata-se, assim, de afirmar a dependência do direito positivo do direito natural, instalando o homem no centro da Cidade em nome de uma ideia da dignidade humana que se impõe como valor fundamental. Dessa forma a «Declaração» de 1789 institui a «revolução do sujeito» que os filósofos do direito natural tinham refreado.
Mas é também afirmar textualmente que a sociedade é conservadora. Tem por função a manutenção dos direitos eternos e imutáveis, em nome dos quais, e se seguirmos a linha de pensamento de John Locke, se conta a propriedade. E, de facto, o memso artigo da «Declaração» esclarece:  Estes direitos são a Liberdade, a Propriedade, a Segurança e a Resistência ao opressor.


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