segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

TEATRO: «Quarteto» por Alexandre Pieroni Calado e Sandra Hung

Uma das constatações, que tem sido possível retirar de sucessivos espetáculos teatrais vistos ultimamente em diferentes palcos e salas do país, é a existência de uma nova geração de excelentes atores, ainda desconhecidos da maioria dos que procuram acompanhar com alguma regularidade (e militância!) o esforço criativo de inúmeros grupos. Quase sem meios para promoverem projetos de alguma dimensão, esses talentosos intérpretes esforçam-se por recorrer ao que têm mais à mão - os corpos, as vozes - para disponibilizarem propostas surpreendentes.
A que Alexandre Pieroni Calado e Sandra Hung apresentaram nas instalações do Bando em Palmela durante este fim-de-semana exemplificou isso mesmo naquilo que foi, sobretudo, uma performance a dois com base nos registos colhidos em duas encenações da mesma peça de Heiner Muller - «Quarteto» - a cargo do Seiva Trupe e do Teatro Praga.
Quando escrevera a peça em 1980, o dramaturgo alemão, restringira a adaptação das «Ligações Perigosas» de Choderlos de Laclos aos dois antagonistas principais: a Marquesa de Mertreuil e o Visconde de Valmont. A proposta de ir alternando os dois papéis entre os atores já estava na peça, que abordava a sexualidade como reflexo da luta pelo poder, e com a linguagem a servir de arma. Mas Muller também explorava o vazio e a fadiga pelo pressentimento de uma época em vias de se extinguir, o que a tornava muito atual para o contexto de então - a implosão dos regimes do leste europeu ocorreriam no final dessa mesma década - e para o de agora, quando se vislumbram os limites do capitalismo em se conseguir regenerar.
Os dois atores (ou performers) começam por evocar as reações da imprensa escrita às abordagens da peça pelas duas companhias, que haviam arriscado a sua adaptação e replicam-nas ali à nossa frente. E temos, pois, Alexandre Calado e Sandra Hung, a personificarem ora a Marquesa, ora o Visconde, arriscando ir mais além na abordagem dos papéis de madame de Tourvel e da jovem Cécile Volanges. E, como não contam com técnicos de apoio, revelam uma enorme flexibilidade ao assegurarem a iluminação, a sonoplastia, a cenografia…
Em suma, uma proposta disponível para poucos espectadores, mas merecedora dos vibrantes aplausos de quem lhes admira a arte e o engenho...


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