sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

MÚSICA: o nascimento do ragtime

Apesar do carácter abertamente racista o espetáculo norte-americano dos menestréis de meados do século XIX apresentava uma mistura de música alegre, humor e elegância sofisticada. Era um ritual bizarro e complexo no qual brancos e negros se interpretavam - e mal! - durante várias décadas.
Podia ser entendido como uma forma de resistência disfarçada dos negros quanto à sua condição. Embora sob a capa da farsa, com música, dança e formato aparentemente preconceituoso, esses espetáculos já continham a essência do que alguns designam por «espírito americano». Eles iniciaram uma longa relação entre negros e brancos: o entretenimento dos primeiros e a sua apropriação pelos segundos, numa estranha interligação entre as duas etnias, tal qual já vinha sucedendo desde a chegada de ambas ao continente americano. Uma relação tão próxima e intrincada, que era preciso degradá-la de forma a conseguir-se lidar com a tremenda afronta da escravatura.
O primeiro grande sucesso dos menestréis foi uma canção escrita e interpretada por um branco, Daddy Rice, que dizia ter começado por ouvi-la a um palafreneiro negro, “Jim Crow”, o nome por que viria a ser conhecida.
Em 28 de janeiro de 1861, a Louisiana entrou em dissidência com o resto da União, mas apenas quinze meses depois, as esquadras federais subiram o rio Mississípi e obrigaram Nova Orleães, a maior cidade confederada, a render-se.
A ocupação yankee deu início a tempos de liberdade para a população negra da cidade e propiciou uma verdadeira explosão criativa. Terá sido a abolição da escravatura a possibilitar o nascimento do jazz. Ele surgiu da consciência de um grupo de pessoas excluídas da sociedade, mas profundamente mergulhadas nela. Eram americanos, que não tinham sido reconhecidos até aí como tais.
Durante doze anos, depois do fim da Guerra Civil, no período conhecido como o da Reconstrução, as tropas da União ocuparam o sul dos EUA para garantirem o respeito pelos Direitos Civis e supervisionar a primeira tentativa oficial de integração. Mas, em 1877, através de uma coligação espúria entre os corruptos republicanos do norte e os democratas do sul, as tropas foram retiradas e o projeto da Reconstrução naufragou do dia para a noite. O poder dos brancos voltou a impor-se de forma brutal. O sistema de arrendamento de terras substituiu o da escratura na agricultura. O Ku Klux Klan floresceu e os linchamentos passaram a fazer parte da rotina. Todos os aspetos do quotidiano dos afroamericanos passaram a ser segregados num sistema, que ficou conhecido com o nome do sucesso do menestrel Daddy Rice. “Jim Crow”. Mas a cosmopolita Nova Orleães conseguiu evitar o que havia de pior nesse “novo” sistema.
Na década de 1890 despontaram dois novos estilos musicais em Nova Orleães, que foram fundamentais para o surgimento do jazz. O primeiro, criado pelos pianistas negros das cidades do Middlewest, era pujante em vitalidade e animação. Trazia influências de tudo quanto existira até então - hinos religiosos, as canções dos menestréis, melodias do folclore europeu e marchas militares -  todas misturadas num ritmo inovador e sincopado. Era o ragtime, que se tornaria no estilo mais popular nos vinte cinco anos seguintes nos EUA.
Divulgada inicialmente por músicos itinerantes e mais tarde pela venda de partituras, a batida do ragtime conquistou instantaneamente os jovens dançarinos de todo o país. E eles ainda gostaram mais da nova música quando perceberam a desaprovação dos seus pais.
“O ragtime é a síncope elevada às raias da loucura. Quem for contagiado por essa música deve ser tratado como cães com raiva. Se vai ser uma moda passageira, uma forma de arte decadente ou uma doença vinda para ficar, como a lepra, isso só o tempo o dirá” escrevia o escandalizado Edward Baxter Perry.
O outro estilo seria o blues e estará presente noutro artigo...



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