Eu bem sei que Jeremy Brett foi um excelente Sherlock Holmes nas dezenas de episódios criados para a BBC, mas quando se trata de definir qual o que mais apreciei, opto invariavelmente pelo Robert Stephens tal qual Billy Wilder o dirigiu em «A Vida Íntima de Sherlock Holmes» (1970). Porque, iconoclasta por natureza, o realizador revelou-se perfeitamente desrespeitoso para com esse monumento da literatura policial. Até por ter criado a única história romântica do mais misógino de entre todos os detetives privados.
O filme situa-nos em agosto de 1896 quando, entediado em casa por falta de malfeitores à altura das suas competências, Sherlock está entregue ao seu vício preferido: a cocaína.
Bem pode Watson escandalizar-se com o estado em que o vê, que só o surgimento de uma misteriosa desconhecida deixada à sua porta, leva o detetive a sair do seu torpor. Quando ela desperta já não sabe quem é, nem como ali chegou: o mistério que Sherlock decide esclarecer. É assim que encontramos o seu irmão, particularmente preguiçoso, que vegeta nos serviços secretos, uns falsos monges trapistas, uma temível espia alemã e uma rainha Vitória com tamanho de anã.
Quem não gostou nada desta versão foram os ingleses, que lhe votaram um completo desprezo. O fracasso de bilheteira estendeu-se aos EUA, onde não passou de uns dias escassos de exibição nos cinemas e, em França, foi necessário que Truffaut e Melville se mexessem para que o filme tivesse o acolhimento merecido.
Foi um filme mal amado, mas verdadeiramente de culto.
Já o documentário «O Verdadeiro Sherlock Holmes» do canadiano Gary Lang, prima pela reverência respeitosa para com o personagem criado por Conan Doyle em 1887. A tese é a de que ele foi um precursor, quer dos personagens de histórias policiais surgidas posteriormente, quer de muitas das metodologias implementadas por quem tem de investigar e esclarecer a natureza dos crimes na vida real.
Holmes resultou da insaciável curiosidade e da prodigiosa imaginação do seu criador, que lhe associou alguns métodos de investigação revolucionários para a época, posteriormente sujeitos ao teste da realidade.
Se Sherlock Holmes ganhou lugar no imaginário coletivo, foi pela determinação em resolver enigmas e ter provocado inúmeras vocações. O inquilino de Baker Street é o antecessor de uma catadupa de heróis populares, que lhe devem as principais características: Batman e Robin, James Bond, os detetives de «Miami Vice» ou Dexter. Um fenómeno ainda acentuado pela recente recuperação do herói no cinema («Sherlock Holmes» de Guy Ritchie) e na televisão («Sherlock» de Mark Gatiss e Steven Moffat).
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