sexta-feira, 20 de setembro de 2013

FILME: «Blue Jasmine» de Woody Allen

Não! Em definitivo está longe de ser um dos melhores títulos da filmografia de Woody Allen, mas olhando para a oferta atualmente existente nos ecrãs portugueses - e excetuando os casos específicos dos dois filmes de Ozu - que outro pode superar em interesse e em qualidade este «Blue Jasmine» em que o realizador dá a Cate Blanchett um desempenho digno de um Óscar?
Como sucede noutras áreas de expressão artística, uma obra menor de Woody Allen está muito para além das melhores tentativas de muitos outros realizadores para se fazerem salientar na história da sétima arte.
Temos então Jasmine condenada a voltar a ser Jeanette, depois da queda fulgurante do bem sucedido marido, que lhe pagava as contas do seu extravagante bom gosto. Em São Francisco aonde é acolhida por Ginger, que fora adotada com ela pela mesma família, quando ainda eram crianças, vão ocorrer cenas elucidativas da luta de classes em contexto americano. Porque se Jasmine sempre pertencera à alta burguesia, cujo estatuto decorria de atividades financeiras de roubo descarado de quem lhe suportava os efeitos, Ginger jamais mostrara capacidade para se libertar da condição proletária, traduzida em empregos mal remunerados.
Esses dois mundos irão entrar em choque através das sucessivas intervenções do namorado, do ex-marido e dos amigos de Ginger. Porque aonde em Jasmine subsiste a afetação e a contínua preocupação com as aparências, no mundo da irmã resiste uma genuinidade de sentimentos e valores, mesmo que ilustrados na boçalidade da generalidade dos seus protagonistas.
Mas, ainda assim, numa interessante abordagem do fascínio sentido pelos mais pobres em relação ao mundo dos ricos, Allen demonstra através de dois exemplos concretos como o resultado do cruzamento de interesses entre realidades tão opostas resulta sempre desfavorável aos mais fracos: primeiro, quando Augie e Ginger confiam o dinheiro ganho na lotaria ao marido de Jasmine e este os rouba a exemplo do que fazia com os demais clientes, depois, quando Ginger quase se deixa levar pelo propósito da irmã em arranjar-lhe companheiro mais sofisticado, arriscando a perda do amor de Chili, em proveito de um fogoso amante, que lhe escondera a condição de casado.
Porque estamos perante uma fábula moral, o tema da mentira acaba por ser determinante para o desiderato do filme, já que Jasmine nunca perdera a tendência para explorar o jogo de aparências até ao limite, sendo desmascarada perante o potencial e rico noivo, quando já se julgava em vias de retomar a condição privilegiada em que sempre acomodara a sua existência.
Desmentindo a publicidade fraudulenta, que promete um filme divertidíssimo, Woody Allen conclui o filme em registo de tragédia: inadaptada ao futuro sem esperança, que doravante a espera, Jasmine só encontrará refúgio na loucura irreversível.
Trata-se, pois, de matéria de reflexão bem mais interessante do que pressuporia a aparente ligeireza do seu desenvolvimento, porque estão nela bem presentes alguns dos temas atuais: a deriva criminosa e fraudulenta do capital financeiro e as fúteis ilusões das classes média e baixa quanto à possibilidade de alcançarem a ascensão social. Nesse sentido «Blue Jasmine» constitui  testemunho de grande lucidez sobre uma sociedade com condições materiais para ver emergir grandes convulsões sociais, mas ainda aquietada pela forma como o mundo das aparências ainda se consegue sobrepor às mais óbvias e inaceitáveis realidades.
Se a generalidade da crítica elogia muito justamente a interpretação da sempre fiável Cate Blanchett, podemo-nos igualmente render a outros desempenhos não menos merecedores de atenção como o são os de Sally Hawkins, no papel de Ginger, ou de Bobby Canavale no de Chili.
Mesmo que cientes de nunca mais voltar a encontrar o encanto outrora suscitado por «Manhattan» ou «A Rosa Púrpura do Cairo», bem podemos ansiar por novos títulos saídos da imaginação do realizador.


Sem comentários:

Enviar um comentário