Um dos acontecimentos literários das últimas semanas nas livrarias francesas é o lançamento do novo romance de Jean-Philippe Toussaint, e onde se leva até ao paroxismo o enunciado barthesiano de definir o apaixonado como aquele que está à espera.
Prosseguindo um estilo e uma temática, que têm caracterizado a sua obra nos últimos anos, o autor debruça-se sobre o fenómeno amoroso e cuida de demonstrar a homérica dificuldade em o conseguir satisfazer. Porque entre a vontade do que ama e a volubilidade de quem é amado não será fácil encontrar uma plataforma de consensualização num projeto afetivo comum.
Acabado de chegar de viagem, com as bagagens ainda por desfazer, pôs-se à janela a ver partir o táxi, que o trouxera. E dentro do qual ficou Marie.
E ei-lo já à espera que toque o telefone e ouça a sua voz, mesmo tendo ela vindo com ele e acabado de se despedir. E essa interminável meia-hora, que passei à janela a esperar em vão o telefonema de Marie, foi uma espécie de síntese dos dois meses de espera, que iria viver à espera de um qualquer sinal da sua parte. Porque, como o referia Roland Barthes, a identidade fatal do enamorado não é outra senão a do que fica à espera…
Os leitores de Toussaint já conhecem a inacessível Marie desde há uma dezena de anos, através de romances que têm acompanhado a evolução desse amor incessantemente obstaculizado.
Em 2002 houvera «Faire l’amour», em 2005, «Fuir» e, em 2009, «La Vérité sur Marie». Todos eles constituem com este «Nue» uma tetralogia romanesca, que pode ser lida de forma aleatória, já que se encontram sempre suficientes dados sobre ela para nunca se arriscar a desorientação.
Temos, assim, um amor contrariado pelo humor volúvel de Marie, pelas distâncias impostas aos dois amantes, que vão cirandando pelo mundo, cada um para seu lado. É, pois, um amor, que rima frequentemente com ausência, defeção, falta. Mas é preciso que assim seja para que o narrador alimente a sua obsessão, o seu sofrimento.
Que ela esteja no seu pensamento, na memória, nos fantasmas, nos planos. Que se multipliquem sem cessar as imagens dela, tão complementares quanto contraditórias. É uma Marie espreitada a partir de uma janela ou num reflexo amplificado de um jogo de espelhos. Marie idealizada ou bem concreta e prosaica. Uma Marie terna ou indiferente.
Marie, mulher da sua época, ativa, sobrecarregada e urbana, que vivia nos grandes hotéis e atravessava a correr os átrios dos aeroportos, mas também a Marie com uma disposição oceânica, ou a capacidade para atingir instintivamente a dimensão cósmica da existência.
Marie que, esteja presente ou ausente, ocupa todo o espaço. Mas o verdadeiro amor (…) e ainda mais latamente, qualquer projeto de vida, seja a eclosão de uma flor, a maturação de uma árvore ou a execução de uma obra, não têm por fulcro um único objeto?
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