É comum ouvir o discurso da perda de valores em qualquer época em que vivamos, Existe sempre uma nostalgia de algo, que já não é como se imaginava que foi, e está a ser transformado pela imprevisibilidade inquietante do que se teme vir a ser.
Essa sensação de degradação dos valores é uma característica transversal a todas as épocas e culturas. Desde Platão tem-se a sensação de haver uma única coisa que não se perde: precisamente esse sentimento de perda.
Haverá então algum sentido em falar de decadência, quando cada época é tida como padecendo-a em relação a uma outra, anterior, quando se teve igualmente a mesma sensação em relação à precedente? Como se poderá medir essa decadência?
A resposta mais óbvia tem a ver com a evolução dos costumes, em que se abandonam conceitos anteriormente tidos como sólidos, virtudes educativas, que se veem postas em causa, subestimação do respeito pelos mais velhos em quem se deixa de reconhecer uma sabedoria a ter em conta.
A decadência acaba por ser uma espécie de juízo moral, com uma mistura de tristeza e de rancor, de quem já não se conforma com a realidade em que está circunscrito.
Mas se muitos filósofos se interrogam sobre os nossos valores, Nietzsche conseguiu maior argúcia ao questionar-se: qual é o valor dos nossos valores? No prefácio ao seu ensaio «A Geneologia da Moral» o filósofo alemão considera imprescindível alterar a nossa forma de pensar a questão dos valores, já que eles são tão variados e só ganham em serem comparados.
Em 2002 a prancha de Andy Warhol - «Fifteen One Dollar Bills» - com notas de um dólar foi vendida na Christie’s por 450 mil dólares e em 2009 na Sotheby’s por 950 mil dólares, o que para a questão da discussão do valor traz uma conclusão paradoxal: o que só tem o seu preço tem menos valor do que aquilo que representa. Porque, na realidade, o valor das notas de dólar representadas por Warhol é uma ínfima parcela do que passam a ter enquanto obra de arte reconhecida enquanto tal.
O falso pode, assim, ter um valor bastante superior ao que é verdadeiro. A aparência pode ter maior valor do que a verdade. Questionando-nos na sua aparente superficialidade, Warhol demonstra a possibilidade de se ser superficial na profundidade do que nos sugere.
Mas este exemplo coloca outra questão interessante: qual a distinção a fazer entre o valor e o preço? Kant responde a essa questão considerando que tem valor verdadeiramente aquilo que está para além do preço.
Outra perspetiva para definir o preço é tratar-se de uma quantidade para definir uma troca. E é nesse sentido que um valor como a verdade não tem preço e corresponde ao conceito kantiano. Trata-se de um valor absoluto, quase divino.
Em Nietzsche a incompatibilidade com a ideia de Democracia - que justificaria a sua errónea identificação com o nazismo - resulta do nivelamento de direitos na organização social por quem, pelos seus méritos e talentos, tem de ser desigual. E daí a importância dada por ele a uma hierarquia de valores e de pessoas dentro de uma sociedade.
Mas esse preconceito nietzschiano encontra um contraponto interessante no romance «Moby Dick» de Herman Melville, aonde as diferenças de valores entre Ismael e o canibal Queequeg, não impede uma amizade testada por situações extremas. Na sua sageza o romance é uma das grandes obras antirracistas, que apela à tolerância e à prudência no julgamento alheio em função de valores que tendemos a generalizar como universais.
(texto resultante de uma conversa de Raphaël Enthoven com Patrick Wotling em «Philosophie» no canal ARTE)
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