quarta-feira, 25 de setembro de 2013

POLÍTICA: Os limites do multiculturalismo

Foi hoje lançado pela editora Grasset um livro, que começou a suscitar polémica ainda antes de chegar às livrarias: «Nos Mal-Aimés - Ces musulmans dont la France ne veut pas», assinado por Claude Askolovitch.
Segundo o autor é a história desses muçulmanos franceses, de que não se gosta com as melhores das intenções e obrigados a fundirem-se ou a esconderem-se, a mentirem sobre si próprios ou a morrerem socialmente.
Serão eles os párias da República? Será que a sociedade francesa tornou-se islamofóbica? São essas as questões colocadas por um jornalista de origem judaica, mas ateu, que foi despedido do «Le Point» por ter defendido a carne halal e por isso decidido a escrever um livro para compreender o que está a acontecer no seu país, aonde a senhora le pen já é tida como “normal” e onde os socialistas votam pelo despedimento das auxiliares de educação, que se apresentem veladas ao serviço.
É a história de uma empregada bancária, que reza às escondidas numa arrecadação, a de uma estudante disposta a tirar o véu para conseguir um estágio, a de um salafista condutor de autocarro e apreciador de visitas à Disneylândia ou a de um médico que vinga a mãe universitária, que nunca pôde trabalhar por a República não tolerar o seu véu. E a de um ecologista, que teria podido ser ministro na Tunísia islâmica, a de um rapper casado desde os 15 anos, a de um futebolista casto por amor a Alá, e a de um pregador dos Irmãos Muçulmanos, que cita Camus e escreve poemas.
São franceses que comem tornedós halal e compreendem perfeitamente as razões do Hamas na Palestina.
Trata-se, pois, da história de um país que maltrata uma parte da sua população, que mente sobre os seus valores republicanos, e esquece o que é: mestiço e muçulmano, instável e complexo, mas também rico, e sem razões para se julgar em declínio.
Este lançamento coincide, igualmente, com um texto bastante interessante de Leonel Moura no «Negócios» de 20/9 em que constata as contradições da esquerda europeia nos últimos anos: A mesma esquerda liberal que sempre se bateu pela liberdade em geral, pela libertação das mulheres e pela laicização da sociedade, defende agora, em nome de uma tolerância abstrata, a submissão das mulheres, e acrescente-se também dos homens, a um poder religioso fundamentalista como todos o são.
E o cronista lembra a iniquidade de tratamento das mulheres, que sendo muçulmanas podem trajar como pretendam, em todo o espaço europeu, enquanto as ocidentais, que tentem visitar países islâmicos, são impedidas de manter as suas opções de vestuário, obrigando-se a envergar as peças aceitáveis para as autoridades religiosas locais.
É o sociólogo Abdennour Bidar quem refere a situação histórica muito peculiar de todo o mundo islâmico em plena crise espiritual devido à dissonância dos seus valores e dogmas com as evidências da modernidade. Que essa crise se reflita em múltiplas reações, desde um islão tolerante e decidido a modernizar-se até ao terrorismo salafista, é um processo ainda moroso e de consequências imprevisíveis.
Para resolver as aparentes incoerências do seu discurso, a esquerda deveria exigir resolutamente a predominância do laicismo e da reserva dos valores e costumes religiosos - sejam eles de que credo forem! - para a esfera privada de cada um e dos templos, que pretenda frequentar. Porque, como conclui Leonel Moura não tenhamos ilusões. Não há nenhuma religião que, tendo oportunidade, não queira submeter tudo e todos à sua crença e aos seus dogmas. Os católicos não são diferentes. Basta dar-lhes poder.
Ao pugnar por um multiculturalismo demasiado abrangente. onde as maiorias se devam curvar aos interesses de minorias defensoras de formas de repressão feminina como as progressivamente abandonadas na Europa ao longo do século XX, Askolovitch não contribuirá para uma estratégia mais racional da esquerda de que se proclama parte integrante.


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