Em «A Política» Aristóteles considerava não ser possível ao homem cumprir a sua humanidade fora das fronteiras da Cidade. Porque o homem é, por natureza, uma criatura feita para comunicar, para partilhar e para distinguir o justo do injusto, graças ao recurso da palavra.
Nesse século V antes de Cristo, a Cidade ateniense encarnava esse ideal de sociabilidade, que viria a ser aprofundado pelo humanismo.
O sucesso de Atenas resultara da vitória sobre os Persas e dos elevados custos, que despendera, para o conseguir: a destruição dos edifícios públicos e das habitações da população, que havia sido obrigada a refugiar-se nas embarcações. É então que Atenas se impõe naturalmente às demais cidades gregas, fundando a Liga de Délos.
O homem «civilizado» derrotara os bárbaros e os atenienses sentiam-se disso orgulhosos como se depreende de «Os Persas», uma das mais antigas tragédias dessa civilização.
Modelo de coragem e de sucesso militar, Atenas depressa se converte no modelo de potência económica e de liberalismo político.
Sob o impulso de Péricles a Cidade institui o regime da democracia direta: todos os cidadãos são convocados mais de quarenta vezes por ano à principal praça, a Ágora, para participarem na gestão dos assuntos públicos. Todo o cidadão presente nesses fóruns deveria tomar a palavra e exprimir a sua opinião. É a iségoria, o direito de cada um falar para a Assembleia.
Esse direito à palavra é tão fundamental que certos autores antigos tanto utilizavam o termo “democracia” como o de iségoria., que eram considerados sinónimos.
Todos os cidadãos participavam na Administração da Cidade, aos mais diversos níveis de responsabilidade, quer escolhidos à sorte, quer por eleições,
No seu livro «Democracia antiga e democracia moderna», Finlay constata que havia assim de maneira geral uma familiaridade com os assuntos públicos, que até mesmo os cidadãos mais dados à apatia, eram coagidos a não se dissociarem dessa participação.
É comum acrescentar-se que essa democracia direta só era possível graças à impiedosa exclusão das mulheres, dos escravos e dos metecos, ou seja, dos que haviam vindo de outras povoações gregas e não eram tidos como pertencentes à Cidade. Mas convirá usar da prudência a este respeito: quer os escravos, quer os metecos, usufruíam de um estatuto privilegiado em comparação com o que se passava fora de Atenas.
Em «A República dos Atenienses», Xenofonte mostra-se bastante crítico a tal respeito: quanto aos escravos e aos metecos, não há sítio onde a sua insolência supere a verificada em Atenas. Nesta cidade não existe o direito de os vergastar e o escravo não vos franqueará a passagem. A razão desse hábito local é que se houvesse uma lei a permitir ao homem livre o açoitamento do escravo, do meteco ou do alforriado, seria possível que ele viesse a tomar um Ateninense por escravo e lhe desse tal tratamento. Porque os homens do povo de Atenas não se distinguem dos escravos e dos metecos, nem pelo vestuário, nem por outros sinais de riqueza.
A crítica endossada aos Atenienses quanto á sua aparência servil deve ser minimizada se nelas identificarmos a vontade de diluírem os sinais de desigualdade. É que a Cidade procura representar uma nova ordem humana em que, cada cidadão, semelhante a todos os demais, ora como subordinado, ora como comandante, deveria ocupar e ceder todas as posições do espaço cívico.
Quanto ao estatuto das mulheres ele não se distingue nas duas margens do Mediterrâneo. Os gregos confinam-na ao espaço caseiro: a sua influência política é nula, nunca comparecendo na Ágora. Ainda assim a Cidade não lhes é tão hostil, quantas certas versões pressupõem.
É verdade que Aristófanes troça delas em «A Assembleia das Mulheres», mas em «Lisístrate» mostra-as mais aptas do que os homens para imporem e manterem a paz entre as nações. Mas a tragédia não as poupa: as personagens de Clitemnestra ou de Antígona revelam grandeza e nobreza na sua revolta contra os decretos dos homens ou contra as leis divinas. E vale a pena evocar o papel de Aspasia enquanto fomentadora da mais antiga tertúlia conhecida na História e juntando os principais génios dos tempos de Péricles: Protágoras, Fídias e Heródoto.
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