domingo, 1 de setembro de 2013

LITERATURA: Douglas Kennedy e os mitos norte-americanos

Os mitos americanos estão omnipresentes nos livros do escritor Douglas Kennedy: o sucesso, a hipocrisia puritana, o dinheiro, o sexo.  E algumas das suas histórias passam-se na Nova Inglaterra aonde vive.
Tradicionalmente a Nova Inglaterra costuma ser muito mais calma do que o resto do País. Possui a sua própria atmosfera. Muito regional! - elucida este escritor nascido em Nova Iorque em 1955. E embora não faltem aqui pessoas inteligentes, é o tipo de sítio onde há menos tendência para se andar a proclamar o quanto se é brilhante! Quem a tal se atreva, passará por um idiota, e com toda a razão!
O que também contribui para a minha visão da Nova Inglaterra, é o facto de ser o berço do puritanismo! Para além do «Último dos Moicanos» de Fenimore Cooper, o primeiro grande romance americano é «A Letra Escarlate» de Nathaniel Hawthorne. Que era um amigo de Herman Melville e percebeu quanto o puritanismo fazia parte da mentalidade americana.
As pessoas esquecem-se que este país era, ao princípio, uma experiência cristã. Era uma teocracia.  Os puritanos, que chegaram ao Massachusetts não eram democratas. Eram tudo menos progressistas. E, no entanto, estou persuadido quanto a sua mentalidade se ancorou na  cultura americana.
A ideia da queda do homem, a ideia de ser sempre possível melhorar-se a si mesmo sem nunca se o conseguir, influenciou muito a forma muito categórica de vermos as coisas. Nomeadamente em tudo quanto tem a ver com o sexo.
De facto a nossa atitude relativamente ao sexo é muito diferente da dos europeus, o que é muito curioso de um ponto de vista histórico.
A religião através dos colonos puritanos do Massachusetts e o dinheiro através dos de Jamestown na Virgínia, ajudaram a formar as duas placas tectónicas ainda hoje predominantes.
Não admira que esses sejam os temas dos romances de Douglas Kennedy.
Os meus personagens, embora não o pareçam, procuram sempre o amor, como todos nós. E como vivemos num enorme país, temos sempre a preocupação de nos questionarmos  quanto à forma de nos salientarmos, de deixarmos um legado nosso. Qual é a nossa identidade? Como funcionar numa sociedade ainda muito marcada pela teoria da seleção natural de Darwin? Em que só sobrevive o mais apto?
Vivemos numa sociedade que está sempre a incensar os indivíduos. Mas, ao mesmo tempo, há um certo receio do indivíduo. Somos o tipo de país em que todos os anos, 5 em cada 7 prémios nobel são atribuídos a norte-americanos. Mas também o país em que 48% dos habitantes acreditam na existência de anjos!
Não falta matéria sobre que os escritores norte-americanos possam escrever! Há, ao mesmo tempo, uma cultura e uma inteligência notáveis, mas, ao mesmo tempo, uma estreiteza de mentalidades que são igualmente extraordinárias.
Douglas Kennedy escreve sobre pessoas obnubiladas pelo poder, que preferem o sucesso e o dinheiro ao amor, reduzido à mera satisfação sexual. No fundo são romances sobre o medo, sobre a incapacidade de se decidir o que verdadeiramente se quer, sobre as certezas inquestionáveis a balizarem as inquietações do quotidiano. Sobre o vazio sideral da vida moderna.
Num dos seus romances Kennedy escreve que dinheiro, deus e culpabilidade são os três verbos da América.
Para ele as pessoas vivem continuamente com o sentimento de culpabilidade por não se ajustarem verdadeiramente aquilo que julgam que os outros delas esperam. Ora a culpabilidade está no fulcro de toda a literatura: quase todas as histórias ancoram-se numa questão de culpa a respeito de algo!


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