O romancista americano Don DeLillo nunca chegou ao extremo - como o seu contemporâneo Thomas Pynchon, que há quem defenda ser o seu duplo - de se apagar e desaparecer num total anonimato. Não deixa de ser, porém, um ser solitário e secreto, que se assume como um “asceta falhado”, uma espécie de monge da escrita.
Já escrevia há mais de vinte anos quando, em 1988, a sua obra saiu do círculo íntimo de entusiastas para chegar ao grande público com «Libra», o seu nono título: uma radioscopia enciclopédica de “sete segundos” de um filme amador rodado a 22 de novembro em Dallas.
Mas esse grande romance americano também interliga um conjunto de temas, quase de obsessões, tratados por DeLillo desde sempre.
Ele é romancista pela topografia de certos microcosmos da sociedade contemporânea. Mas não deixa de ser um analista a escrutinar a nossa época nos seus sinais e sintomas.
Nascido em 1936, Don DeLillo cresceu no Bronx, um bairro popular que ainda não era a zona sinistrada em que depois se converteu. A família era de origem italiana e inscrevia-se no operariado. Derivam dessa época os traumas, que se revelariam nos seus livros. Serão autobiográficos? É a descida com o pai, contramestre, aos bastidores do metropolitano. É o terror de se ver abandonado.
A infância deixou estigmas. Numa rara confidência, Don DeLillo também evocou a impressão que nele ficou da sumptuosa liturgia das missas fúnebres da igreja católica, que explicam o seu fascínio pelas coreografias e rituais.
De 1954 a 1958 estuda História, Filosofia e Teologia na universidade jesuíta de Fordham em Nova Iorque. Após uma breve passagem (de 1961 a 1963) pela agência de publicidade Ogilvy & Mather, dedica-se à escrita como se entrasse para um convento: em 1966 inicia «Americana», que publicará em 1971.
Nesse primeiro romance já se identifica em filigrana, ainda que embrionária, toda a obra que se seguirá.
O personagem central é David Bell, que trabalha como realizador para uma cadeia de televisão de Manhattan e em publicidade, mas sem conseguir libertar-se da sensação de tédio, como se estivesse mergulhado num filme de Antonioni.
O facto de, no passado, ter visto a mãe ficar afásica, suscita-lhe um sentimento de culpabilidade, quase como se se tivesse convertido num “esquizograma” vivo, um estranho a si mesmo, um espectador da sua própria vida como se a olhasse a partir de uma objetiva.
Quando lhe propõem uma deslocação ao Arizona para rodar um documentário sobre os índios Navajo, ele acredita na possibilidade de sair das suas “imagens” e “sombras”, mergulhando na noite gritante da América e nas terras selvagens do Oeste, saindo delas já consciente do seu eu primitivo.
Mas, quando lá chega, só encontra uma comunidade hippie a tentar a reprodução da imagem fantasmática, que criou da vida índia.
«Americana» é um western pirandelliano: em vez do eu original, existem “imagens” até ao infinito.
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