Nascido em 1940, no Massachusetts, Russell Banks vive no Vermont e é um dos escritores mais politicamente motivados da sua geração. Muito ativo politicamente esteve envolvido em ações de propaganda contra a intervenção no Iraque e para a eleição de Obama, além de liderar uma associação de apoio a escritores perseguidos nos seus países pelas suas opiniões e obras.
A sua obra romanesca decorre necessariamente dessas preocupações, sempre ao lado dos perdedores, dos que pouco têm de seu, sem nunca se sujeitar aos modelos de sociologia mais redutores.
Até aos 24 anos, Banks foi canalizador como o tinham sido o pai e o avô, mas já o tentava a via artística, influenciado pelos livros, que lera. Nomeadamente o «On the Road» de Kerouac e outros textos de autores da Beat Generation. Dessas leituras descobria-se impressionado pela determinação de tais escritores em serem artistas sem cuidar de que ambientes ou formações académicas tinham emergido. Alguns vinham da classe operária, outros de famílias burguesas. Uns tinham ido à universidade, enquanto outros não tinham sonhado sequer lá chegar.
Daí que tenha sido natural para Banks colocar-se a mesma questão: “se eles chegaram lá, porque não poderei eu também imitá-los?”.
No entanto, se essa geração beat tem influências no escritor, ele também se deixou sugestionar por uma certa tradição novecentista, que tinha por expoentes, Mark Twain ou Melville.
Todos esses inspiradores tinham em comum o facto de, muito jovens, saírem das casas familiares e irem ao encontro do mundo nas mais variadas paragens do continente americano ou mesmo fora dele.
Não admira que, num dos seus romances - «Rule of the Bone» (1995), ele descreva o percurso de um Huckleberry Finn do nosso tempo, que sai de casa aos 14 anos para se escapar aos abusos sexuais do padrasto e vá viver com um amigo jamaicano, que ganha a vida como traficante de droga.
Se o romance de Twain constituía uma história iniciática em ambiente de esclavagismo, a abordagem de Banks situa-nos numa época em que a droga e a prostituição interligam-se com o desemprego e com a tremenda desigualdade social entre quem é rico e pode comprar o que quer (até uma rapariguinha para os seus devaneios pedófilos!) e os que só podem viver o dia-a-dia em busca da mais elementar sobrevivência.
Ao apostar na sua carreira literária, Banks concluíra, pois que não necessitaria de ir para Harvard ou tornar-se advogado para ser escritor. Bastaria ser inteligente e arguto observador da realidade, que o rodeava..
Ainda assim o sucesso virá tardiamente, já que Banks publicará vários romances e contos relativamente ignorados até que um filme de Atom Egoyan suscita maior atenção para a sua obra. «The Sweet Hereafter» (1991) transfere para uma pequena cidade do norte da América uma situação real verificada no Texas, quando quase todas as crianças de uma pequena cidade morrem afogadas num lago, ao despistar-se o autocarro escolar em que seguiam.
Tão só sabedor do sucedido, Mitchell Stevens, um advogado pouco escrupuloso, instala-se ali para oferecer serviços aos pais enlutados no processo a colocar contra quem possa ter tido responsabilidades na tragédia.
Se inicialmente encontra inibições suficientes para o impedir de levar por diante essa causa, quando lhes é acenada a possibilidade de conseguirem, por essa via, uma catarse eficaz contra o sofrimento, os aderentes crescem em número.
Também saberemos depois os verdadeiros motivos de Mitchell: ele sofrera a perda de um filho e a recém declarada SIDA na filha viciada em drogas.
Nessa altura o desafio que se coloca a esse protagonista é o de levar as escassas testemunhas a dizerem em tribunal o que mais convirá para o sucesso do seu caso.
Mas, mais do que a tragédia em si, todas as consequências dela decorrentes, transformam irreversivelmente uma pequena comunidade, até então quase tida por paradisíaca, por quem ali vivia.
A história da América com o seu fanatismo radical é o tema de outro dos romances mais conhecidos de Banks, servindo-lhe de tela de fundo para o desempenho dos seus personagens. «Cloudsplitter» (1998) é a história do abolicionista John Brown, que levara a sua militância até à eliminação de esclavagistas, homicídios pelos quais foi condenado à forca em 1859 no Estado da Virgínia.
No romance o seu périplo revolucionário é recordado pelo filho a partir de um eremitério aonde ele se dedica à redenção religiosa dos pecados paternos. Mas nessa contradição entre a via violenta ou a pacifista para a transformação da sociedade, a simpatia vai naturalmente para o personagem já conhecido de um dos mais belos temas militantes de pete Seeger.
Mas é em «The Darling» que melhor ficam representadas as desilusões e os impasses do ativismo revolucionário, que inflamou os EUA nos anos setenta. Hannah, uma antiga militante, envolve-se com as reviravoltas políticas na Libéria, aonde funda uma família com um dos ministros de William Tolbert.
Nos anos seguintes, enquanto Samuel Doe, Charles Taylor e Prince Johnson se vão sucedendo como líderes efémeros de um país em guerra civil permanente, ela interessa-se pela preservação do habitat dos chimpanzés e não desconfia, que os atos políticos com que se vai comprometendo, para salvaguardar a vida do marido ou dos filhos, têm por trás, e sem que o suspeite, o dedo da CIA de que é instrumento involuntário.
Para Banks a História serve para explicar melhor a realidade. E a ficção serve para constatar as contradições da América, incluindo as mais recentes. Por exemplo ter ido ao Iraque para implantar a democracia, mas sem esquecer quanto petróleo existe no seu subsolo, o que equivale a uma colisão trágica entre valores e realidades. E tem de reconhecer que, embora com outra subtileza, a política americana continua na mesma depois da eleição de Barack Obama. Nomeadamente com a presença em dois palcos de guerra e o controle da economia pelas mesmas pessoas, que estiveram na origem da crise de 2008.
É claro que Banks não ignora a mudança simbólica representada pela cor da pele do presidente - o que em si constitui um facto de enorme importância! - mas as políticas em si permanecem as mesmas.
Poderemos, por isso, aguardar por outros romances onde continue a denunciar uma América muito diferente do idealismo com que erroneamente foi conotada durante demasiado tempo.
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