Olhemos para as diversas coordenadas geográficas do planeta e comprovamos uma tendência global para uma maior desigualdade entre os muito ricos e os demais concidadãos: no ano passado, em Itália, o respetivo Banco estatal comprovou uma equiparação entre o total das dez maiores fortunas transalpinas e os três milhões de italianos mais pobres. Na Índia, em 2003, os multimilionários locais detinham 1,8% da riqueza nacional, enquanto em 2008, já abocanhavam 22%.
No artigo de Serge Halimi, que aqui temos recordado («Balanço para preparar uma reconquista», Le Monde Diplomatique, ed. port., maio de 2013), ele afirma: a questão é a de saber como assegurar o desenvolvimento de um país cujo crescimento beneficia cada vez mais um pequeno grupo que já não compra grande coisa, pois já tem quase tudo. Um grupo que, em consequência, entesoura ou especula, alimentando um pouco mais uma economia financeira já parasitária:
Em tempos que já lá vão o capitalismo conseguia ter alguma racionalidade: os bancos estavam orientados para o investimento de bens transacionáveis que, quanto em maior número fossem produzidos, mais baratos se tornavam. Nessa situação o número de compradores bens crescia significativamente, gerando um ciclo virtuoso em que a procura suscitava a necessidade de assegurar mais oferta, conseguindo-se assim um crescimento económico tão necessário para garantir o progresso dos povos, das suas regalias e do respetivo conhecimento.
Foi contra essa lógica imparável, que as diversas experiências comunistas falharam, porque nenhuma delas conseguia competir em resultados com uma economia ocidental, que crescia quase incessantemente. Até a outrora maoísta China se vergaria a tal «inevitabilidade histórica» graças a um visionário - Deng Tsiaoping - capaz de compreender ainda não ter chegado o tempo do cumprimento do sonho do inspirador da Revolução de 1949.
O que este tempo histórico tem de singular é a negação dessa lógica pelo capitalismo, sobretudo desde que a financeirização da economia como objetivo em si, eliminou a relevância do consumo interno e valorizou a redução do Estado à sua mínima expressão mediante uma austeridade custe o que custar.
E, como cresce dia-a-dia o número dos ostracizados pela sociedade de consumo, sob a forma de desempregados, de precarizados e de empregados mal remunerados, o poder financeiro acautela-se assaltando os cargos políticos, que possam questionar o sossego em que pretendem manter os seus negócios. Esclarece Halimi: o capital, menos taxado do que o trabalho, dedica à consolidação dos seus apoios políticos uma parte das poupanças efetuadas graças às decisões que o favoreceram - como uma fiscalidade complacente, o salvamento dos grandes bancos que transformaram em reféns os pequenos aforristas, ou ainda a pressão sobre as populações para pagar prioritariamente aos credores, no quadro de uma dívida pública que constitui, para os ricos, um objeto de investimento (e um instrumento de pressão) suplementar.
Em suma: os ricos utilizam a sua fortuna para aumentar a sua influência e, em seguida a sua influência para fazer crescer a sua fortuna.
É, por isso, que um conservador como Francis Fukuyama reconhece que com o passar do tempo as elites estão em condições de proteger as suas posições manipulando o sistema político, colocando o seu dinheiro no estrangeiro para evitar a taxação e transmitindo esses benefícios aos filhos graças a um acesso privilegiado às instituições elitistas.
Aproxima-se, pois, um tempo de grandes decisões: ou deixamos que esse processo continue na sua marcha acelerada ou travamo-lo a tempo de evitar tragédias como as que varreram a Europa ao longo do século transato.
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