Na edição de hoje do «Público» o historiador Diogo Ramada Curto inseriu o artigo «Rui Ramos no canal Q: um novo António Sardinha?», que é certeiro na contestação aos (des)propósitos do “intelectual”, que a direita tem promovido a vedeta dos seus mais falaciosos argumentos. Então no programa «O Que Fica do que Passa» de 17 de fevereiro ele excedeu-se, quando quase espumava para arrasar a política educativa e de investigação dos governos socialistas, e de Mariano Gago em particular, classificando-a de “obscurantista”. Ao melhor estilo de camilo lourenço, o rui ramos considerou injustificável qualquer investigação, que não se traduzisse em imediato retorno, como se isso existisse nalgum país. E à investigação sujeita a escrutínio de candidaturas apreciadas por um organismo credível (que a FCT deixou de ser sob este desgoverno) não hesita em defender o regresso á lógica do mandarinato próprio do regime fascista.
Se já aqui o qualificara como o novo josé hermano saraiva no quão reacionárias são as suas “ideias”, sou obrigado a rever a tese: apesar de ter enviado polícias de choque para agredir estudantes em luta ou de semear gorilas e bufos pelas universidades antes do 25 de abril, o defunto historiador do antigo regime arrisca-se a passar por tio simpático, mesmo que tonto, em comparação com o perigoso e fanático ramos.
Aqui ficam alguns extratos oportunos do artigo de Diogo Ramada Curto, que equipara ramos ao nome mais sonante dos fascistas, que criaram o Integralismo Lusitano, antes do fascismo salazarista se afirmar:
“O novo Sardinha é bem-falante. Na televisão, não hesita. Peremptório mesmo quando dubitativo. Em estilo casual, casaco e colarinho desabotoado. Inteligente e com cara de bom menino. Praticante de um novo populismo, com a chancela atractiva do mercado de massas.
(…) à política chegou como intelectual com créditos firmados e não como funcionário de partido. Não é como os outros que chegaram bem mais alto, mas à custa de diplomas de origem duvidosa.
Subiu a pulso. Logo após, desfez-se da escada para que mais ninguém lá chegasse. E adoptou os tiques que observou nos snobes. Inspirado em Maurras, misturou-o num blend com outros, tudo autores já publicados pelo Liberty Fund, em encadernações bem cheirosas. Monárquicos, conservadores e uma elite ignara começaram a vibrar com as suas realidades pesadas, donde não está ausente uma ponta de crueldade. E ele não se faz rogado.
(…) Às suas audiências dá aquilo que elas querem. Indigna-se frente ao despesismo do Estado. E despreza essa esquerdalha de jovens investigadores que, no fundo, não passam de uns comunistas ou ainda pior...
Exímio na arte do paradoxo, partilha com os que não se souberam arranjar uma óbvia denúncia: porque tarde chegaram, foram todos enganados quando alimentaram falsas expectativas em relação a um futuro dedicado à ciência e à investigação.
No seu realismo cru, nega-lhes a carreira. Porquê? Simplesmente, porque o despesismo é insustentável. E essas crianças grandes, que se deixaram embalar pelo estudo e pela pesquisa, têm de cair na realidade. Na dura realidade, entenda-se, da sua inutilidade.
Não há alternativa, para tanta evidência. Só talvez a emigração, sempre ela, pode oferecer uma outra via. Porque lá no estrangeiro — provavelmente porque foram todos enganados por um outro trapaceiro — ainda continuam a investir na pesquisa e a preocupar-se em acolher novas gerações de investigadores.
(…) É que se o despesismo é inútil, porque se constituiu num fardo insustentável, é também escusado pensar-se que exista alguma relação causal entre investigação e desenvolvimento. Tudo uma série de inutilidades. Retire-se, pois, o Estado de tudo isto e deixem em paz os decisores políticos — ministros ou responsáveis por agências de financiamento público — que nunca se deveriam ter envolvido em programas criadores de falsas expectativas e de despesas em espiral.
Devolva-se, isso sim, a responsabilidade às universidades, que se devem comportar de forma autónoma. Mas, esclareça-se desde já, em relação aos que mandam nestas últimas, que devem deixar de se preocupar com o aumento do seu número de investigadores e com a integração de novas gerações na pesquisa.
(…) A trapaça dos últimos governos que criaram uma ilusão, que enganaram as crianças grandes (pelo menos as que resistiram à emigração) e que alimentaram falsas ideias acerca da criação de um sistema científico.
Uma tramóia insuportável, alimentada à custa das loucuras do despesismo do Estado, com que é necessário romper.
O novo Sardinha vê tramóias em todo o lado, porque constrói o mundo à sua imagem. Com a consciência das duras realidades, chama a si a inimputabilidade e uma estratégia de vitimização.
Aos seus amigos sopra-lhes a ideia de que a investigação é coisa obscurantista. Por isso, há que reduzi-la e dispensar os que a ela se dedicam.
Melhor será fazer como antigamente, só para alguns, muito poucos. E, num estilo sério, mesmo muito sério, o Sardinha new age finge não suportar o estilo chocarreiro deste seu retrato.
(…) Pouco importa que quem defende que o Estado se retire — aliás, de onde nunca esteve, a julgar pelo que se faz por essa Europa fora — continue a ser um funcionário público, que não abdica de nenhum dos seus cargos e privilégios. A moral de apregoar aos outros aquilo que o próprio não pratica só tem um fundamento: não somos todos iguais, os que já se safaram e que são os beneficiários do sistema não querem partilhar com mais ninguém a estabilidade e tudo o que é bom. A eles o mandarinato e os privilégios, aos outros a dura realidade.
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