Uma das críticas, que se podem associar aos documentários disponíveis sobre o estalinismo é a perspetiva unilateral por eles dada quanto a esse período histórico.
Invariavelmente vemos esse intervalo entre 1917 e 1956 (a data do XX Congresso do PCUS) como sendo o do primado do terror repressivo, das grandes fomes ou da paranoia do seu líder. Ora não se pode omitir ter sido essa a época de uma grande unidade nacional para derrotar o invasor nazi, que em Estalinegrado começou a perder o fôlego e a correr para a sua perda definitiva. Ou quando a economia rural baseada no latifúndio deu lugar a uma fulgurante industrialização, que projetou a URSS para a condição de temida superpotência começando por vencer a corrida espacial nos seus primeiros tempos.
Quando, nos finais dos anos 70, costumava aportar aos portos do mar Negro - Tuapse, Novorossirsk ou Odessa - o clima épico mostrado no filme de Eisenstein sobre a Revolução de Outubro já não existia. Vivia-se na estagnação brezneviana, que criaria as condições para a contrarrevolução ieltsiana. Mas era fácil encontrar quem, criticando o líder de então, assumia as saudades do mitificado período anterior a Nikita Khrushchev .
Hoje em dia continuam a existir muitos saudosos do estalinismo e os documentários costumam mostrá-los como uns seres anacrónicos e meio tontos, que vão manifestar-se com bandeiras comunistas e medalhas ao peito sem saberem muito bem porquê. Pior ainda é a amálgama entre extremistas de direita e defensores do estalinismo, que convergem numa espécie de neoestalinismo lepenista.
Em suma, de tantos documentários passados pelo nosso olhar, não se vê um que seja capaz de abordar a herança estalinista com outra perspetiva senão a de um maniqueísmo apostado em convencer sobre a sua tese conceptual em vez de procurar demonstrá-la mediante argumentos mais aprofundados.
No caso deste filme de Thomas Johnson a regra é a acostumada: enfoca-se a amplitude dos crimes cometidos durante a grande fome de 1932-33 na Ucrânia, que terá provocado entre 2,5 e 6 milhões de mortos, e o 1,5 milhão de fuzilados entre 1936 e 1939. E, claro, os 18 milhões de deportados para os goulags siberianos.
Mas Johnson reconhece que a figura de Estaline permanece popular na Rússia e até em ascensão no favor da generalidade da população. Razão que baste ao regime de Poutine para ser bastante comedido na condenação dos seus excessos e nem sequer pensar em pedir perdão às vítimas.
O documentário dá quase exclusivamente a palavra aos militantes da associação Memorial, que foi criada em 1989 por militantes anticomunistas sob a égide de Andrei Sakharov e destinada a recolher os depoimentos das vítimas e dos familiares dos que passaram por tal repressão. Temos, assim, uma catadupa de testemunhos mais ou menos enquadrados pelo do historiador hoje à frente de tal instituição: Arséni Roginski. Segundo ele existe uma amnésia voluntária sobre esse período, que condiciona a qualidade da democracia por que muitos lutam.
Com as reservas de quem não ilude a falta de objetividade dos seus propósitos, o documentário não deixa de constituir um bom estímulo para questionar a História e partir dela para a compreensão da Rússia contemporânea. Tanto mais que, sendo clara a sua desafetação do ideário estalinista, Poutine não hesita em reter-lhe algumas das mais eficientes estratégias de propaganda para prosseguir a via de sustentação de um capitalismo de Estado fomentador das gritantes desigualdades hoje constatáveis no enorme território que vai das fronteiras orientais da União Europeia a Vladivostoque.
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