terça-feira, 14 de janeiro de 2014

POLÍTICA: olhar lucidamente para a emigração

Na edição de hoje do «Público», José Vítor Malheiros aborda uma evidência de que aqui  temos falado amiúde: só graças à matraqueada repetição das mesmas mentiras e ideias feitas, é que esta direita vai conseguindo ter alguma eficácia na divulgação de uma “narrativa”, que trava o ímpeto contestatário de quem lhe sofre os efeitos da sua agenda ideológica. Daí a importância de um jornalismo independente, que nos faculte chaves mais inteligíveis sobre a realidade.
Nesse sentido é uma boa notícia já estar disponível nas bancas a edição portuguesa de janeiro do «Le Monde Diplomatique», que constitui sempre uma alternativa vantajosa à interpretação conveniente (para os suspeitos do costume) do que se está a passar. No editorial a diretora, Sandra Monteiro, critica a recente iniciativa cavaquista sobre a «nova diáspora», caracterizando o fenómeno da emigração tal qual ele está a ser vivido pela maioria das famílias portuguesas.
Em primeiro lugar, temos a questão da sua dimensão: “São já mais de 121 mil os portugueses que emigraram durante a crise da austeridade, ultrapassando, em 2012, um máximo histórico que só havia sido alcançado em 1966, numa década condenada pelos horrores da ditadura, da guerra e da fome.”
Entramos depois na questão das consequências deste fenómeno para o futuro do país: em geral e das famílias em particular: “Uma emigração desta dimensão, ainda por cima numa conjuntura de diminuição dos fluxos imigratórios e de saldo demográfico negativo, tem consequências gravíssimas para a sustentabilidade do país. Realidade temida ou concretizada, passou a fazer parte do quotidiano da maioria da população. Os aeroportos e estações de comboio, mas também as casas das cidades e aldeias, ou as praias e os campos por onde passeiam famílias e amigos, tornaram-se lugares estranhos de dor, amor e raiva. Fala-se de quem parte e de quem fica; cala-se a saudade que já se sente e os receios de que não corra bem.”
Depois contesta um certo discurso dominante, que quer ver a emigração como algo que só está a acontecer com as gerações mais novas: “A «nova diáspora» pode ter como característica marcante abranger gerações mais novas, mas nem por isso poupa gerações mais velhas. O desemprego, a precariedade, os baixos salários e a crescente desproteção social atravessam as gerações e o território, as cidades e os campos, o litoral e o interior – só distinguem as classes sociais.”
Deixar-nos levar pela falsa ideia de um país sangrado da geração, que qualificou como até então nunca sucedera e perde o valor de tal investimento - como temos ouvido a certos comentadores de esquerda - acaba por ser redutor e distorcido da realidade. Porque o que está em causa nessa emigração não é ser de velhos ou novos, de qualificados ou de não qualificados. A raiz do problema está na austeridade a que a direita está globalmente a procurar uma reconstituição dos equilíbrios sociais em desfavor dos tais 99% de cidadãos, que não são acionistas em bancos ou em grandes monopólios transnacionais: “Os neoliberais sabem bem que a emigração é forçada pela sua austeridade. Mas fingem que não, porque o seu objetivo é mais vasto, aplica-se a quem está dentro ou fora do país. Nesta empresa em que vão transformando Portugal, só interessam os cidadãos rentáveis. Aumentar a exploração do trabalho – cada vez mais mercantilizado e desligado dos direitos que os poderes públicos deviam proteger, porque o trabalho é um meio de aceder a uma vida digna –, faz parte de um projeto que, internamente, usa os poderes públicos para transferir recursos dos cidadãos para a esfera do privado. Forçados a emigrar, esses cidadãos geram recursos noutros países e, compreensivelmente, sentem-se menos afetos aos poderes públicos do país que os abandonou à sua sorte. 
Felizmente que contamos com o jornalismo sério do «Le Monde Diplomatique» e de outros projetos similares para não nos deixarmos iludir pelo tal discurso mistificatório dos media colocados ao serviço dos que nos exploram.


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