A sociedade civil é uma associação de proprietários vista por Rousseau como fomentadora de uma desigualdade, que não é natural.
Ao contrário do que pretendem os defensores do direito natural, a sociedade civil não é compatível com a Natureza. Ao instituir a desigualdade entre os proprietários, opõe-se a ela e desvia a associação política da sua finalidade: garantir a felicidade coletiva através da segurança e da igualdade de oportunidades.
Jean-Jacques Rousseau renuncia ao pensamento utópico de Thomas More que, em 1516, escrevia: “Eis o que me convence em como a única forma de distribuir os bens com justiça e igualdade, garantindo a felicidade dos homens, é a abolição da propriedade. Enquanto subsistir o direito de propriedade como fundamento do edifício social, a classe mais numerosa e estimável, só terá para partilhar a fome, os tormentos e o desespero.”
As propriedades são conseguidas por uns à custa dos outros. Não existe prosperidade, que não cause, em simultâneo, a penúria. Em suma, ao acumularem riquezas individualmente os proprietários sonegam-nas à comunidade, aos que nada possuem.
Joseph Proudhon formulará, muito mais tarde, a célebre conclusão: “A propriedade é o roubo!”, que foi muitas vezes retirada do seu contexto. È necessário lembrar, assim, por que propósitos, Proudhon inicia em 1840 aquele que Marx classificará como o seu melhor trabalho:
“Se tivesse de responder à pergunta: O que é a escravatura? E que tivesse de responder com uma única palavra, responderia: o Assassinato. Não necessitaria de um longo discurso para mostrar como o poder de privar o homem do pensamento, da vontade e da personalidade, é um poder de vida ou de morte, e que escravizar um homem é assassina-lo.
Eis, porque, a uma outra pergunta - o que é a propriedade? - eu não poderia responder segundo a mesma lógica: o Roubo? por muito que não fosse compreendido, ainda que se tratasse de uma proposição derivada da primeira.
More, Rousseau e Proudhon estão ligados ao que nos habituámos a designar como socialismo utópico, por estar baseado no ideal igualitário.
Fazer da propriedade um direito natural é contradizer explicitamente o primeiro artigo da mesma Declaração, que anuncia: “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”.
A igualdade não pode ser mantida numa sociedade, que defende a propriedade individual como um dos seus valores fundamentais.
Em «O que é a propriedade?», Joseph Proudhon denuncia o carácter aparentemente arbitrário da enumeração dos direitos naturais no segundo artigo da Declaração:
“A Declaração dos Direitos colocou a propriedade entre os direitos naturais e imprescritíveis, que se tornaram assim quatro (…) Que método seguiram os legisladores para fazer esta enumeração? Nenhuma: dispuseram dos princípios como se dissertassem sobre a soberania e as leis, de uma perspetiva geral e segundo a sua opinião. Fizeram-no às apalpadelas ou ao molho.”
A Declaração pretende propor uma visão universal do Homem, mas em que análise ou argumentação se baseia?
Os direitos naturais derivam do conhecimento da lei da Natureza, que se presta a todas as possíveis formulações.
Os redatores do texto de 1789 seguiram a análise de Locke, mas só enunciaram as conclusões sem levarem em conta a lógica seguida pelo autor do «Tratado do governo civil». Estes direitos do homem terão um carácter universal? Não formularão direitos particulares reivindicados pelos proprietários desejosos de transformarem essa posse num principio imutável? É do que Proudhon suspeita ao ler as duas Declarações, a de 1789 e a de 1793.
É certo que a propriedade é tida como um direito universal, reconhecido a todos os homens, entendendo-se-a como uma das componentes da sua dignidade. Mas na realidade, nada é pensado para garantir o acesso de todos a essa propriedade. O que para Marx não é uma omissão inocente: a Declaração Universal defende os interesses de uma classe social, que procura fazer passar por uma proclamação universal a proteção de interesses explicitamente particulares.
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