quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

ARTE: A Pintura e a Ilusão

No pensamento freudiano e na teoria psicanalítica em geral, o objeto pictórico ocupa um lugar privilegiado.
Freud escreveu vários textos sobre o tema e até lhe consagrou um ensaio em 1910. Mas foi, sobretudo, com a teoria do sonho e do fantasma - via direta de acesso à teoria do desejo - que ele a fundamentou em função da estética latente do objeto plástico.
Ele intui que, a exemplo do cenário onírico, o quadro representa um objeto, quiçá uma situação, que abre um espaço cénico no qual, na ausência das próprias coisas, são dadas a ver as representações ilustrativas do desejo recalcado.
A exemplo do sonho, o objeto pictórico é pensado de acordo com a sua função alucinatória e de engodo. Apossar-se desse objeto com palavras que o descrevam e lhe definam o sentido, significará para Freud “dissipá-lo”, tal qual sucede com a imagem onírica ou o fantasma histérico sujeitos a uma descrição, que esclarecem o seu significado, racionalizando-o. Equivale, pois, a remover o véu de representações, de alibis, pelo qual ele se escondia.
Para Freud a obra plástica, muda e visível, provém da região da satisfação imaginária do desejo. Na fruição estética ele distingue duas vertentes: a do prazer propriamente libidinoso, que provém do próprio conteúdo da obra ao permitir-nos a identificação com o personagem, cumprindo-se o nosso desejo em cumprir o seu destino; Mas também no prazer previamente facultado pela forma ou posição da obra, já não enquanto objeto real, mas como uma espécie de brinquedo, objeto intermédio a propósito do qual são autorizados comportamentos e pensamentos de que é suposto o sujeito não se dar conta.
Esta função de desvio à realidade e à censura é descrita por Freud como «prémio-estímulo» em 1908: quer numa estimulação estética, quer no sono, uma parte da energia utilizada a recalcar a libido, é libertada e restituída ao inconsciente, que vai ter a capacidade para criar as figuras do sonho ou da obra de arte. Quer num caso, quer no outro, é da rejeição de qualquer critério realista, que se possibilita a diluição regressiva dessa energia, sob a forma de cenas alucinatórias.
A obra oferece-nos um prémio-estímulo por nos permitir o levantamento das barreiras criadas pelo recalcamento.
Esta análise do efeito estético tende a identifica-lo com o de narcose, já que está presente a realização dessa negação da realidade, que é o fantasma.
Do ponto de vista estritamente formal esta hipótese tem a contrapartida de duas atitudes: por um lado possibilita dar a importância ao sujeito na pintura. O ecrã plástico será pensado em conformidade com a sua função representativa, uma espécie de suporte transparente por trás do qual se esconde uma cena inacessível.
Por outro lado convida a procurar, escondido sob o objeto representado (por exemplo no grupo formado pela Virgem e o seu filho na obra de Vinci) uma forma (a silhueta de um abutre), que estaria a constituir o pensamento fantasmático do pintor.
Isto significa que, duma penada, via-se excluída do campo de aplicação da psicanálise toda a pintura não representativa e o método de a interpretar que não começasse por se preocupar em detetar nela o discurso inconsciente do pintor, sob a forma de silhuetas fantasmáticas.
Por maioria de razão, seria necessário renunciar a toda a pintura onde se criticasse, por meios plásticos, a «posição estética», porque, segundo Freud, teria um valor narcótico para a censura.


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