quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

LITERATURA: No Centenário de Camus (8) - «Actuelles»

Estes três volumes de textos de circunstância foram publicados sucessivamente em 1950 («Actuelles I, Chroniques 1944-1948»), em 1953 («Actuelles II, Chroniques 1948-1953») e em 1958 («Actuelles III, Chroniques Algériennes 1939-1958»).
Cada um deles retoma artigos já publicados em jornais e revistas, em entrevistas, em prefácios ou em conferências.
São, ainda assim, textos frequentemente polémicos sobre temas diversos: política, moral, religião, papel do artista, sempre em diálogo com a atualidade. Permitem, por isso mesmo, reencontrar o espírito do tempo em que foram escritos e esclarecer o pensamento e a obra do autor num momento preciso.
«Actuelles I», que resume a experiência de um escritor comprometido durante quatro anos na vida pública do seu país, é composto fundamentalmente por artigos publicados no «Combat», de que Camus foi o chefe de redação entre 1944 e 1947.
Os editoriais consagrados à libertação de Paris testemunham, com um lirismo contido, mas entusiástico, o clima excecional vivido nos dias 24 e 25 de agosto de 1944. Se testemunham o combate pela liberdade, também defendem que a verdade deve sobrepor-se à mentira, a justiça à ansia pelo poder, a moral à política. Sublinham, pois, a importância da justiça, da fraternidade, da fidelidade aos que pagaram com a vida a sua militância na Resistência.
Em breve se sente a necessidade de uma imprensa livre e responsável: a 8 de agosto de 1945, quando todos os jornais celebram a bomba sobre Hiroshima e a iminente vitória sobre o Japão, Camus prevê as perspetivas aterrorizadoras, que se descortinam para a humanidade, defendendo uma nova ordem internacional.
 Nos dias seguintes ele comove-se com o sofrimento dos deportados, que tardam em ser deportados e constata, a partir de 30 de agosto de 1945, que a depuração falhou. A partir de 1947 inquieta-o o ressurgimento do racismo e a primazia da mediocridade.
No conjunto de textos «Nem vítimas, nem carrascos», sobre o terrorismo e a História, ele recusa-se a legitimar o assassinato, denuncia o «socialismo mistificado» ou a «revolução travestida», defendendo a primazia do diálogo entre os homens.
As principais reflexões contidas em «A Peste», «Os Justos» ou «A Queda», que marcam a rutura de Camus com o comunismo estalinista, rejeitando a realidade concentracionária do gulag, já aparecerão aqui subentendidos.
A multiplicidade dos temas abordados mostra a atenção que Camus dedica a todos os problemas do pós-guerra.
«Actuelles II» dedica-se sobretudo à revolta, incluindo a sua polémica com Jean Paul Sartre, então diretor dos «Temps Modernes».
Estes textos são indispensáveis para quem quiser situar «l?Homme Revolté» no contexto da Guerra Fria e conhecer o ambiente desse período.
O protesto contra a admissão da Espanha franquista na UNESCO, os manifestos a favor da liberdade e da cultura também integram a  revolta tal qual a entende Camus.
Quase ignorado na altura da sua publicação, o terceiro volume de «Actuelles» é inteiramente consagrado à Argélia. Num interessante prefácio, Camus esclarece a sua ambígua posição: não pode aceitar o terrorismo da FLN nem os excessos dos ultras, nem a tortura, nem as palavras de ordem políticas, que colocam os franceses argelinos perante duas alternativas: esmagarem ou serem esmagados.
Camus não defendia a independência, preferindo uma solução federalista, que permitiria a convivência entre as duas comunidades, mas já impraticável nessa altura.
«Actuelles III» retoma a maior parte da reportagem «Miséria da Cabília», publicada em 1939 no jornal «Alger Républicain», onde denunciava o desastre social e sanitário dessa região num testemunho premonitório sobre os motins de 1945 duramente reprimidos em Sétif.
Depois deste volume, Camus recusará qualquer outra tomada de posição pública , mesmo prosseguindo a intervir em defesa da vida ou da liberdade de combatentes argelinos aprisionados.



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