1. A crónica de ontem do Rui Tavares no «Público» surpreendeu-me por corrigir uma ideia falsa, que vinha alimentando em relação ao tipo de votantes abrangidos pela extrema-direita, pelo menos nos Estados Unidos.
É que olhara para o sucedido em França onde o eleitorado de Marine le Pen é constituído por muitos outrora vinculados ao Partido Comunista e pensara replicável essa ilação para o outro lado do Atlântico.
Isso faria com que muitos dos apoiantes de Trump fossem aquele tipo de eleitores brancos outrora vinculados à, entretanto deslocalizada, industria e eivados do despeito de terem sido empurrados para fora da atividade produtiva.
Afinal o historiador, agora radicado em Nova Iorque, esteve a olhar para a composição social desses apoiantes e concluiu tratarem-se de brancos em média melhor remunerados do que os dos demais derrotados candidatos republicanos. Ademais vivem quase maioritariamente em regiões quase imunes à presença dos execrados emigrantes contra quem depositam o seu voto.
Confirma-se, então, aquilo que se verificou em certos Estados alemães e nalguns países do Leste Europeu onde a probabilidade de verem um extraterrestre seria maior do que depararem com um refugiado e, no entanto, gritam nas ruas a rejeição desses infelizes e contra eles votam ao confiarem em partidos xenófobos.
No artigo Rui Tavares quase parece consolado com a ideia de serem efetivamente de direita os apoiantes de Trump, não sendo pois trânsfugas de partidos e políticas mais à esquerda.
Fica feita a correção.
2. Guy Ryder é o diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho e veio a Lisboa participar numa conferência sobre os desafios colocados ao mercado de emprego em função da inovação tecnológica. É que a uberização das relações de trabalho está a acelerar-se e evidencia-se a progressiva substituição da relação entre empregador e empregado pela que se estabelecerá entre a empresa e o prestador de serviços.
Parece inevitável a forte probabilidade de, a médio prazo, se tornar obsoleto o conceito de «ter emprego», predominando a concentração de jovens em ocupações precárias, onde não se adquirirão competências nem se criam comprometimentos com o contratador.
O que a atual 4ª revolução industrial traz de novo é uma realidade totalmente inversa ao que sucedera com as outras três: nessas a criação de novos empregos excedera em muito os que se perderam. Agora tudo aponta para que esse saldo se torne muito negativo para o elo mais fraco da cadeia social.
Pode, por isso, constituir uma espécie de luta quixotesca contra os moinhos de vento essa intenção governamental de recuperar a importância da contratação coletiva e valorizar o salário mínimo. Mas essencial será olhar para a realidade com sensatez e preparar uma transformação, que tudo aponta para que se desenrole caoticamente. Com tudo o que isso implica em sacrifícios para os mais desfavorecidos.
(Lasar Segall, «Interior of Poor People», 1921)
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