Uns dirão que, depois do fiasco desta semana, a desconvocação da próxima manifestação dos taxistas era inevitável. Muitos dos que perderam horas de trabalho para se deixarem manobrar pela estupidez tática dos seus dirigentes terão reagido no sentido de não voltarem a dar ensejo a uma oportunidade de publicidade à Uber e a demonstrarem a existência de sinistros bimbos dentro da sua classe.
Mas outros dirão terem sido agora movidos pela sensatez de criarem condições para, com outros setores laborais, condenados à precarização e ao empobrecimento, melhor questionarem o modelo de uberização das sociedades, que esta evolução do capitalismo pressupõe.
Tenho aqui escrito sobre a forte possibilidade de as novas tecnologias implicarem uma alteração estrutural do sistema, que transforme os trabalhadores em consumidores alimentados por uma lógica assistencialista, com um poder autocrático e privado (baseado em grandes oligarquias monopolistas) capaz de tudo dispor desde a divisão desigual dos rendimentos até ao tipo de mensagens emitidas continuamente pelas escolas e pelos meios de comunicação.
Será isso que nós queremos, ou a defesa da Democracia passará pela de mais Liberdade num sistema socialista resgatado do folclore negativo, que lhe foi colado por uma estratégia do seu constante maldizer? Nesse sentido a quem servem verdadeiramente os que não se cansam de apontar para os «crimes» dos regimes autodesignados como socialistas (embora nenhum o tenha sido!) enquanto calam os muito mais numerosos cometidos por um capitalismo, que só à conta da exploração empobreceu as populações até ao nível da miséria, lhes poluiu os ecossistemas até elas morrerem de doenças terríveis ou as conduziu a tais níveis de depressão e de desespero, que se lhe podem assacar todos os suicídios cometido por quem prometeu Bem Estar e só lhes facultou angústias e inquietações?
O Pedro Adão e Silva disse, esta semana, algo que deveria fazer soar as campainhas nos entusiastas da Uber e de outras plataformas semelhantes: quando elas se tiverem tornado nos monopólios a que não será possível fugir, os preços continuarão a ser assim tão baixos? Será que há quem se disponha a fazer serviços para zonas ou locais, que por si só implicam o papel de um autêntico serviço público?
E eu acrescento outra questão essencial: quando é que os mais ingénuos deixarão de ver tudo isto como uma questão relativa a direitos dos consumidores e olharão para ela como constituindo um novo patamar da luta geral dos exploradores contra os explorados?
(Daniel Castan)
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