É curioso como a nossa imprensa conta com muitos jornalistas outrora vinculados às esquerdas mais radicais e que são hoje mais papistas do que o Papa arvorando-se em tenazes opositores de tudo quanto lhes possa cheirar a qualquer indício de socialismo. Neste últimos dias tem sido um fartote: porque há quem lhes vá acenando com impostos sobre isto ou sobre aquilo, ei-los a correr apressadamente atrás de cada um, quase lembrando aqueles cães a quem na praia os donos vão atirando um pau para os irem buscar. O efeito pavloviano é o mesmo.
São também esses jornalistas os que mais olham para Putin como se fosse a ressurreição do odiado Estaline, embora ele nem se reivindique do comunismo, e muito menos de qualquer ideologia de esquerda. No entanto, também para com ele figura o reflexo condicionado do “é russo? Então é mau!”
Ora, no processo de eleição de Guterres para a ONU, os russos terão sido sempre um interlocutor leal do governo português como agora reconheceu o ministro Augusto Santos Silva ao «Público» a propósito de uma reunião em Moscovo no dia 17 de julho: “O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia explicou-me o que a Rússia iria fazer. E a Rússia sempre fez o que disse que ia fazer”.
Tanto quanto se pode agora concluir o Kremlin preferia Irina Bukova, a candidata búlgara depois desconsiderada pelo seu governo a mando de Merkel. Tivesse ela possibilidades de vitória e Putin preferi-la-ia a Guterres. Como isso não sucedeu não causou obstáculos à eleição do nosso ex-primeiro-ministro. O que ele nunca toleraria seria quem estivera na primeira linha da aplicação das sanções europeias na sequência da cooptação da Crimeia.
Agora é tempo de, em Bruxelas, os representantes portugueses encontrarem apoios bastantes para confrontar os altos funcionários da Comissão quanto à falta de imparcialidade por eles manifestada contra todos os candidatos oriundos de vários países da organização, preferindo-lhes a que apenas serviria os interesses do Partido Popular Europeu. Despartidarizar, ou pelo menos impor um código de conduta rigoroso a tais funcionários parece ser o mínimo a exigir nesta altura.
Teresa de Sousa vai, porém, mais longe ao colocar em xeque Jean Claude Juncker: “perdeu toda a autoridade sobre os seus comissários e (…) tem a hostilidade de Berlim. A operação Georgieva foi lançada pelo seu chefe de gabinete, um alemão com ligação direta à chancelaria alemã. Tentou cavalgar a onda. Envolveu-se demasiado numa operação que não poderia ter apoiado. Bruxelas está em saldo e essa é também uma péssima notícia.”
Quem anda também a sair mal na fotografia é Francisco Assis e Theresa May, a atual primeira-ministra inglesa. O primeiro anda furibundo, porque o PS deveria apresentar lista própria nas autárquicas do Porto perante um Rui Moreira, que será quase impossível de derrotar na disputa do seu segundo mandato. Mas a quem anda em pulgas por derrubar a atual direção socialista daria um enorme jeitão criticar uma eventual derrota na segunda maior cidade portuguesa na noite das eleições, não é?
Quanto à inglesa, cujos discursos são cada vez mais xenófobos, basta ficarmos com o comentário assassino de Miguel Esteves Cardoso: “Os ingleses estão a tornar-se no que mais temiam: ridículos.”
Para concluir fiquemo-nos com um dos testemunhos mais pitorescos sobre a personalidade de António Guterres, lembrado pelo encenador e ator Luís Miguel Cintra, que foi seu colega de liceu: “Ele era de uma grande lealdade e honestidade em relação a todos. (…)Tive hepatite no 5.º ano, que me obrigou a ficar de cama. Ele fazia o favor de me deixar as suas notas das aulas de Química. E os seus apontamentos eram tão bons que nesse ano tirei melhores notas do que ele!”
(O quadro aqui a servir de ilustração é de Paula Kadunc e intitula-se «Lealdade»)
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