Além da reação do José Manuel Pereira, aqui registada em post anterior, o texto dedicado à incapacidade da sociedade norte-americana para lidar com a sua questão racial tem merecido novos comentários, que ajudam a complementar, e até corrigir, o que nele se definia.
Com a habitual ressalva de definir parágrafos, para melhor facilidade de leitura, aqui fica o contributo do Reinaldo Ribeiro, que nos ajuda a situar a origem do problema na especificidade religiosa dos pais fundadores da nova nação:
O texto de Jorge Rocha é verdadeiro e a resposta de J. M. Pereira também, mas não falam do problema religioso que, para mim, é o cerne da questão.
Explico: os Pilgrims Fathers eram calvinistas e o calvinismo no seu articulado dizia que 'só alcançará o reinos dos Céus aquele que conseguir fortuna na Terra'.
Desde então, os americanos substituíram as próprias pupilas por cifrões. Esta prática mantém-se até hoje e sempre em 'crescendo'. A questão da escravatura e/ou o problema racial nunca existiu para os americanos brancos, porque os 'negroes' eram uma sub-espécie ou uma simples mercadoria. Os 'indios' americanos eram apenas 'selvagens', já Custer dizia que 'indio bom é índio morto', porque não obtinham qualquer vantagem com eles.
Apesar da mão sobre a Bíblia ou sobre o peito para cantar o hino (prática seguida pelas novo/boçais gerações portuguesas) nada mais é do que uma hipocrisia sem fim, pois o seu verdadeiro deus não é o da Bíblia nem é a Pátria, mas o omnipotente deus Dinheiro ou 'Dollar'.
Relativamente ao comentário do Jaime Santos, ele tem logo à partida razão num erro factual do texto da minha autoria: de facto Lafayette esteve a ajudar os norte-americanos na sua Guerra de Independência contra os britânicos, antes da Revolução Francesa. No entanto, integrando-se no movimento iluminista - que inspirou e fundamentou muitas das principais conquistas de tal transformação profunda da história europeia! - decerto revia-se nos princípios que viriam a nortear a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Mas, ao contrário do José Manuel Pereira e do Reinaldo Ribeiro, de quem me sinto ideologicamente mais próximo, as minhas divergências com o Jaime Santos têm a ver com a segunda parte do seu texto: nem admiro particularmente uma nação a quem atribuo um reiterado comportamento imperialista, apenas destinado a servir de facilitador às oligarquias capitalistas, que financiam e elegem os seus líderes, como não diabolizo de forma alguma o líder russo por muito que ele nada tenha a ver com o que defendo politicamente. Mas reconheço-lhe clara razão na falta de escrúpulos com que o ocidente faltou aos compromissos tidos em 1989, quando se convencionou um acordo de cavalheiros, que impediria a então CEE e a Nato a estenderem a sua influência até às fronteiras com a própria Rússia.
Acredito, aliás, que a falta de Democracia se equipara nos EUA (onde só consegue ser eleito quem tem uma carteira particularmente recheada, quer por fortuna própria, quer pela dos que se dispõem a tê-lo como lobista dos seus interesses corporativos) e na Rússia. Em ambos os casos há simulacros de eleições justas e democráticas, mas em qualquer deles fica no poder quem os donos das respetivas economias querem que ganhe. Mas com a amizade e o agradecimento por manter esta polémica, aqui fica o texto do Jaime Santos;
Relativamente ao seu texto inicial, faço notar que a Revolução Americana antecede a Francesa e que o Marquês de Lafayette era então um soldado leal de Luís XVI (e foi durante toda a sua vida um liberal moderado). Aliás, a ajuda dada pelo Reino de França aos nascentes EUA, que se revelou essencial para ganhar a guerra de Independência, contribuiu para a penúria financeira do primeiro, que levou em grande medida à Revolução Francesa. E o Reino de França, tendo embora abolido a escravatura na metrópole no sec. XIV, era tão esclavagista nas colónias como a Grã-Bretanha...
Foi o governo da Primeira República Francesa que aboliu a escravatura em todos os territórios, depois reinstituída por Napoleão em 1802, o que levou à revolta e à independência do Haiti, a segunda no hemisfério ocidental. E existiu durante a Revolução Americana e posteriormente uma profunda contenda entre o imperialista e progressista Hamilton, anti-esclavagista, e os conservadores, agrários e esclavagistas Jefferson e Madison (mesmo Jefferson tinha uma posição ambivalente em relação à escravatura), e as respetivas fações.
E cabe lembrar que os americanos aboliram o tráfico marítimo de escravos muito antes de Portugal, pelo que não temos grande moral para os criticar, nós que contribuímos talvez mais do que ninguém para esse comércio sangrento).
É público e notório que existe um racismo profundo nos EUA, mas eu pergunto-me sobre o que se passa na Europa? Onde estão os nossos Obamas? Tirando o exemplo da França onde desde há muito pessoas de cor têm ocupado altos postos no governo (e convém lembrar o exemplo do General Dumas, pai do célebre escritor, que é ainda hoje o oficial de mais alta patente de cor a ter servido num exército europeu, no sec. XVIII (!) ) e em menor grau da Itália, e agora felizmente de Portugal, os governos europeus são todos muito branquinhos...
Só em países onde existe apesar de tudo um genuíno progresso nas relações raciais e na integração dos migrantes é que fenómenos de cariz reacionário são de observar (o que também ajudará a explicar a FN na França).
Por isso, contrariamente ao José Manuel Pereira, eu considero o legado americano apesar de tudo positivo e pergunto-lhe quais são os exemplos que ele gostaria de dar onde a civilização europeia pode dar lições aos americanos.
Portugal, pelas razões apontadas, certamente que não pode, a Bélgica tendo em conta o genocídio no Congo no princípio do séc.. XX, também não. E os (maus) exemplos sucedem-se, até os Britânicos estão cheios de sangue nas mãos das suas guerras coloniais.
Os EUA são um grande País, com um sistema político disfuncional e simultaneamente admirável no exercício da Liberdade. O seu sistema económico é simultaneamente profundamente inovador e gerador de profundas desigualdades. Claro, comportam-se exatamente como outras grandes potências imperialistas e só se distinguem delas por a sua área de influência ser mesmo o mundo inteiro.
A Rússia de Putin é bem mais atemorizadora, porque lá o Presidente nem sequer está sujeito ao controle das restantes instituições. Aliás, é bom de ver que onde no Ocidente impera a hipocrisia, Putin pode dar-se ao luxo de ser absolutamente cínico, não precisa da hipocrisia para coisa nenhuma, porque não tem que convencer ninguém.
Para mim, o anti-americanismo reinante na Europa em alguma Esquerda e na Extrema-Direita (acompanhado pelo seguidismo tradicional da Direita Tradicional) tem que ver com uma coisa simples. O Capitalismo Americano ajudou a enterrar pela via militar o Fascismo (o que explica o ódio da Extrema-Direita à América Liberal e imperialista de Roosevelt, Kennedy, Clinton e Obama, mas não à isolacionista de Trump) e enterrou (sobretudo) pela via económica o Socialismo Real, que agora algumas vozes insistem em querer, ao melhor estilo dos filmes zombies, desenterrar do caixote do lixo da História... E isso, essa Esquerda não lhe perdoa... Em lugar de reconhecer as falhas congénitas de tal sistema, prefere ao invés culpar os seus adversários...
John Trumbull
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