“Tal como na era pré-industrial, o imobiliário voltou a ser o investimento mais seguro e rentável. Não se trata já do investimento com recurso ao crédito, por parte dos assalariados, de habitações para residência e de valor modesto, como nos anos que precederam a crise iniciada em 2007-2008. Agora são as elites que procuram imobiliário de luxo, aproveitando condições como os ‘vistos dourados’ e tributações reduzidas, anunciando uma sociedade mais desigual e de transmissão hereditária da riqueza”.
Agora que outubro acaba e, com novembro, está quase a surgir um novo número do sempre imprescindível «Le Monde Diplomatique«, vale a pena voltar ao que ainda possa ser encontrado nas bancas e abordar o texto nele publicado por Pedro Bingre do Amaral sobre o regresso ao patrimonialismo, cuja sinopse se cita acima. Pelo seu rico conteúdo não poderá ser esgotado num único post.
Temos, para começar, uma fronteira no ano de 2007, que foi quando rebentou a bolha imobiliária nos Estados Unidos rapidamente transposta nos seus efeitos para o lado de cá do oceano sob a forma dos resgates a que se sujeitaram Portugal, a Irlanda, a Grécia e a Espanha.
Até então era explícita a situação caracterizada por um recurso quase universal à aquisição de casa própria por quem possuía emprego aparentemente estável e conseguia acesso fácil ao crédito bancário. Perante a falta de casas para alugar a preços compatíveis com os seus rendimentos, as famílias hipotecavam todo o seu futuro ao sonho de se sentirem proprietárias dos seus espaços, mesmo situados em cidades dormitórios distantes do seu local de trabalho.
Só que tudo mudou desde então: “o resultado foi a construção de um enorme stock de habitações do segmento médio, cujos vastos excedentes já não podem ser adquiridos pela geração seguinte de uma classe média já sem acesso a hipotecas - a tal ponto que o Banco Internacional de Compensações prevê uma desvalorização de 80% do parque imobiliário até 2050.”
Ainda sem a dimensão do que se pode ver em Espanha onde existem grandes bairros de prédios e moradias por concluir em torno das grandes cidades, também entre nós se verifica um aumento significativo da oferta de casas devolutas por vender em comparação com uma procura, que se vai tornando mais exígua com a estagnação demográfica, mormente da juventude obrigada por Passos Coelho a emigrar e que constituiria o mais importante contingente dos potenciais compradores de tais residências.
Pedro Bingre do Amaral atribui a essa realidade uma relevância significativa no aumento da dimensão da nossa crise recente: “Em 2013, o Banco de Portugal ordenou aos bancos portugueses que reduzissem imediatamente entre 15 a 60% o valor das avaliações dos imoveis que se encontravam nos balancetes das suas carteiras, pondo a nu a míngua de garantias colaterais, que estas entidades passaram a poder oferecer aos seus credores. O endividamento privado tornou-se, na prática, endividamento público, e o serviço de toda esta dívida tornou-se uma grilheta para a economia e a sociedade.”
Maria Helena Vieira da Silva
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