sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Diálogos com o Jaime Santos (2)

A falta de tempo tem-me impedido de dar a devida relevância aos comentários pertinentes que o Jaime Santos vem fazendo aos meus textos . Embora de acordo no essencial, separam-nos detalhes que acabam por ser muitas vezes o busílis de cada questão.
Ficam aqui dois textos dele, que merecem ser lidos e aos quais como de costume me encarreguei de estabelecer os parágrafos por uma questão de facilidade de leitura.
O primeiro teve a ver com o meu mea culpa por ter ajuizado incorretamente o eleitorado do Donald Trump e que uma crónica do Rui Tavares me ajudara a corrigir:
A constatação de que a maioria dos apoiantes de Trump são homens brancos de classe média com rendimento acima da média das famílias americanas já tem algum tempo e deriva de um longo trabalho de sondagens cujas principais conclusões pode consultar aqui: https://www.washingtonpost.com/news/wonk/wp/2016/08/12/a-massive-new-study-debunks-a-widespread-theory-for-donald-trumps-success/?wpisrc=nl_most-draw8&wpmm=1.
Também no caso do Brexit, contrariamente à exultação vinda de alguma Esquerda, o principal grupo de votantes pela saída do RU da UE era constituído por Tories de classe média do Sul mais afluente.
Já na República de Weimar, não foi à classe operária que Hitler for buscar o maior número de apoiantes mas, aparentemente a protestantes de classe média.
A situação em França em relação a FN parece ser diferente, porque onde outrora existiam feudos do PCF, hoje há feudos da FN, mas gostaria de saber quão diferente realmente é, através da segmentação do eleitorado da FN em função dos seus rendimentos.
Quanto à questão da uberização do Mundo, acho pelo contrário que o Governo deve insistir na recuperação da contratação coletiva, porque as áreas da Economia onde existe capacidade não utilizada que pode ser recuperada para tais atividades (como veículos privados que não são utilizados) são por ora restritas, e a indústria tecnologicamente mais avançada beneficia claramente de relações claras e estáveis entre empregadores e empregados (veja-se o caso da Auto-Europa).
Agora, que precisamos de tecnocratas e teóricos capazes de pensar essa transformação que se avizinha e que a Esquerda parece ainda quase querer negar, numa espécie de devaneio neo-ludita, isso precisamos...
O segundo texto versa o texto de ontem do «Público» de Francisco Assis com o qual eu manifestava total discordância.
O detalhe que aqui me separa do Jaime Santos é o facto de não ter de reconhecer maior coragem a Assis do que a António Costa, porque o que este demonstrou foi uma superior capacidade de interpretação do momento certo para ascender à liderança do Partido Socialista.
De facto, embora não concordasse em nada com o António José Seguro - e por isso mesmo votei no Assis em 2011 contra ele! - teria de se dar tempo ao tempo para comprovar que aquela cultura do «qual é a pressa?» não iria dar a lado nenhum.
Se agisse antes, o António Costa seria provavelmente derrotado e nunca teria tido a possibilidade de experimentar a atual alternativa política. Ora o que faz a grandeza de um político é analisar corretamente as circunstâncias e agir tão eficientemente quanto possível de acordo com elas. Foi o que fez o atual primeiro-ministro.
Passemos então ao segundo texto do Jaime Santos:
Eu discordo de Francisco Assis relativamente à Geringonça e pergunto-me simplesmente se ele, caso liderasse o PS, aceitaria servir de muleta às malfeitorias de Passos e de Portas, mas reconheço-lhe uma coragem para pregar sozinho que António Costa, por exemplo, não tem.
Lembro-lhe que Assis defrontou Seguro numa altura em que ninguém queria carregar esse piano. Penso que Costa é muito melhor tático do que Assis, pelo que não me parece de todo que planeie tirar o tapete ao BE ou ao PCP, vai esperar que sejam estes a fazê-lo ao Governo, se tiverem coragem para tal. Mas parece-me que os Partidos da Esquerda são liderados por pessoas suficientemente inteligentes para perceberem que dada a dimensão relativa de cada um dos Partidos e o ónus da destruição da Geringonça, não lhes interessa nada precipitar uma crise política. E depois, conhecem bem, retórica à parte, a fraqueza da nossa Economia para considerarem que faz sentido afrontar a Europa, pelo menos por agora.
Mas deixo-lhe uma provocação a si (entre muitas). Fala acima e bem da possibilidade de utilizarmos os fundos europeus para fazermos investimentos que poderão mudar para melhor a face do País. Lembro-lhe que esses fundos são a outra face da disciplina orçamental imposta pela Europa.
Não que eu a subscreva por inteiro, mas como Theresa May irá em breve perceber, não se pode ter sol na eira e chuva no nabal. A Esquerda Portuguesa ou se habitua a conviver com uma Europa por ora dominada pela Direita, ou tem que encontrar um projeto alternativo (coisa que não tem de modo nenhum) que não requeira fundos europeus, nem compra de dívida pelo BCE, nem acesso ao Mercado Único, nem todas as vantagens que dispomos apesar de tudo pela nossa pertença à UE.
Há sempre alternativas, não há é almoços grátis... Porque por vezes quando ouvimos Catarina Martins ou Jerónimo de Sousa, o que se intui é que eles queriam era que a UE nos pagasse as contas...
Daniel Rich



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