O que é a Democracia? Alguns dirão, que é ter eleições livres. Mas para o filósofo Florent Guénard, que acaba de publicar «La Démocratie Universelle» nas Éditions du Seuil, o que verdadeiramente é a matriz definidora da Democracia é a de permitir o debate permanente.
Não podemos, pois, aceitar uma Democracia, que decorreria do fim da História proposta apressadamente por Francis Fukuyama, e consistiria em impor um regime fundamentado nessas tais eleições livres no Afeganistão ou no Iraque. Afinal esses povos ocupados não se mostraram nem gratos aos ocupantes nem entusiasmados em imitá-los nos formatos de organização política e social, que lhes pretendiam impor.
Que essa visão simplista da Administração Bush Jr. resultou no que hoje constatamos como conflito generalizado em todo o mundo árabe demonstra bem como a Democracia não se pode impor como modelo a quem a vê contranatura às suas propaladas tradições. Não soubéssemos, que as invasões ordenadas na sequência dos atentados do 11 de setembro obedeciam a interesses geoestratégicos e económicos dos norte-americanos e quase as tomaríamos réplicas estupidamente ingénuos daquele general da ditadura brasileira, que prometia mandar prender e torturar quem fosse contra a Democracia.
Guénard contesta a suposta universalidade da Democracia dado ela decorrer de toda uma sequência de acontecimentos históricos localizados espacialmente na Europa Ocidental. Como pretender que esse modelo pudesse conjugar-se com Histórias, Culturas e Sociedades, que não passaram pelo mesmo tipo de sucessões de causas e efeitos? Mas, ao mesmo tempo, como ignorar que as aspirações democráticas, de acordo com essa formatação, podem ser almejadas por povos de todas as latitudes e longitudes?
A Democracia não deverá ser imposta a ninguém, mas deve disponibilizar-se para ser apoiada em quem a toma como melhor forma de modernizar e fazer crescer as respetivas sociedades.
Nesse aspeto convenhamos que a Casa Branca tem sido sempre de uma enorme hipocrisia, quando acarinha os seus ditadores como líderes políticos respeitáveis (“os nossos filhos da mãe” como os designava Robert McNamara) e diaboliza os que lhe são adversos conseguindo vê-los tratados como odiosos assassinos, como se passa atualmente com Putin ou Assad.
Percorrendo toda a História da Filosofia desde Platão aos nossos dias, o autor rejeita três possibilidades: a de entender a Democracia como um modelo a imitar ou a aplicar; a de olhar para a Democracia como sinónimo de fim da História com a consagração da universalidade do governo representativo; e rejeitar serem automaticamente democráticos os regimes só por terem eleições livres e uma Constituição respeitada.
Em alternativa, e colocando-se na mesma linha de pensamento do americano Michael Walzer, Guénard propõe uma outra perspetiva universalista e reiterativa: a Democracia é sempre específica de onde é aplicada e as suas características continuamente sujeitas a debate. É nessa plasticidade e reiteração permanente, no sentido de maior respeito pela liberdade e pela igualdade, que assenta a universalidade da aspiração democrática.
Guénard convida as democracias ocidentais a serem mais humildes na forma como ajuízam as demais, mas peca por não reconhecer que tentaram em seu nome dominar o resto do planeta com os seus modelos de produção e de consumo, hoje contestados na sua suposta universalidade.
No nosso mundo pós-colonial e globalizado a Democracia não é assunto apenas cingido ao diálogo entre europeus e norte-americanos. A universalidade democrática deverá assumir a sua incontornável mestiçagem.
(Keith Haring)
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