A direita radical norte-americana idolatra a escritora Ayn Rand que, no seu romance «Atlas Shrugged», criou a personagem John Galt. Durante dois terços de tal prosa surge a pergunta «Quem é John Galt?» só surgindo a resposta mais perto do final. Ele seria um filósofo e inventor, que acreditava na legitimidade da meritocracia pela qual os talentos deveriam ser exclusivamente utilizados para o bem de quem os possuisse. Esse individualismo era o contraponto a uma sociedade coletivista e burocrática, que imporia um igualitarismo paralisante para o sucesso global de todo esse universo humano.
Nessa forma de encarar a organização social a direita radical e populista passou a assemelhar-se, singularmente, à antiga esquerda radical e populista. Ambas coincidem na suposta opressão do Estado como maior obstáculo à liberdade, justificando-se a desobediência civil. Daí o surgimento nos States de milícias fortemente armadas e com pretensões a impor a sua agenda extremista à do Governo Federal, por eles acusado de ilegítimo.
Ayn Rand defendia o princípio de que “a ganância é boa” mas Slavoj Žižek constata que a crise de 2008 demonstrou não serem os génios criativos quem estão hoje a ajudar as “pessoas comuns e preguiçosas”. Bem pelo contrário: são os contribuintes quem, a contragosto, estão a ir em auxílio desses “génios criativos falhados”.
Um dos seus principais símbolos, Alan Greenspan, que comandou a Reserva Federal Americana durante décadas e era um randiano assumido, teve sérias responsabilidades nessa crise de 2008. Sobre ele, e outros que tais, prossegue o filósofo esloveno: “Talvez José Saramago estivesse certo quando propôs tratar os responsáveis dos grandes bancos e todos os outros responsáveis pelo colapso como culpados de crimes contra a Humanidade, cujo lugar é o Tribunal de Haia”.
Em vez dessa comparência no banco dos réus, a direita quis impor a ideia de se ter chegado a uma época tão complexa, que a maioria das pessoas não estaria qualificada para tomar decisões. Uma das primeiras vozes a, entre nós, alegar essa alarvidade foi a antiga presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite, que propôs ilegalizar a Democracia durante uns meses para pôr em ordem as contas públicas podendo-se depois voltar à ilusão do multipartidarismo.
Essa tese era, porém, bastante mais antiga, porque, em 1998, o então governador do Deustsches Bundesbank, Hans Tietmeyer, considerou que os mercados globais seriam mais democráticos do que as eleições parlamentares, porque a sua votação era permanente e global, em vez de ocorrer de quatro em quatro anos e confinada aos limites de um Estado-Nação. Para que se necessitariam de eleições se os mercados teriam a capacidade de decidir a cada instante quais os rumos políticos desejáveis para que crescessem sem freios?
Por essa altura já Willy Brandt não se contava no mundo dos vivos, mas pode-se-lhe atribuir a visão de quanto ele já temia uma evolução, que passasse pelo fim do antigo bloco soviético. Na época da queda do muro de Berlim, ele escusara-se a aceitar que Gorbatchev o visitasse em sua casa, porque o inculpava do iminente desaparecimento do Estado-Providência. Embora o comunismo não lhe suscitasse qualquer entusiasmo ele sabia que o capitalismo, para manter a sua legitimidade, tinha de demonstrar ser a melhor solução até mesmo para os trabalhadores a para as camadas mais pobres. Sem a mistificação do que ocorria do outro lado do muro, Brandt sabia condenado o Estado Social.
Chegámos agora a uma fase em que a elite dirigente da Europa Ocidental não dá mostras de saber o que anda a fazer. O exemplo do ultimato, que impôs à Grécia é bem elucidativo de como prefere impor uma aparência de força para esconder a fraqueza de não possuir estratégia para fazer sair a Europa da estagnação em que tombou. Nesta altura essa elite procura evitar o único caminho possível: a urgência em regular o que se desregulou, caso pretendamos continuar a gozar da nossa liberdade não regulada.
Trata-se, pois, de mandar John Galt para as cavernas do pensamento donde nunca deveria ter emergido.
(Damien-Paul Gal)
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