domingo, 28 de abril de 2013

LIVRO: «La Chute du Président Caillaux» de Dominique Jamet


Comecemos por imaginar um jornal de grande circulação, que multiplica títulos de primeira página para caluniar um político, pretendendo vê-lo impossibilitado de voltar ao exercício do poder. E suponhamos que a conspiração tinha origem ao mais alto nível, ou seja, a partir do palácio presidencial.
O que é que isto sugere? Decerto esse exemplo de «jornalismo de sarjeta», que continua a ser o «Correio da Manhã», com as suas torpes campanhas contra José Sócrates. E também esse personagem menor, chamado aníbal cavaco silva, com tanto de perfídia, quanto de sonsa manha.
Mas a História tende a repetir-se noutras épocas e cenários. Porque, no livro de Dominique Jamet, o que está em causa é o «Figaro» e a sua campanha de calúnias contra o presidente do Partido Radical Joseph Caillaux, e o então inquilino do Palácio presidencial, Poincaré. E a gravidade dessa conjura chegou a tal nível de consequências que, se se tivesse frustrado, talvez até nem se houvessem verificado as condições para a deflagração da Primeira nem da Segunda Guerra Mundiais.
O romance histórico de Jamet vem, afinal, demonstrar como a cabala mediática contra uma só pessoa pode acarretar a morte de muitos milhões nos anos, se não mesmo nas décadas seguintes.
Mas quem era esse Joseph Caillaux, tão detestado pelos setores mais reacionários da direita francesa do seu tempo?
Homem forte do Partido Radical, várias vezes ministro, incluindo das Finanças, e até primeiro-ministro entre 1911 e 1912, Joseph Caillaux, foi um dos mais brilhantes políticos do seu tempo, sendo uma enorme injustiça o esquecimento a que foi votado. Porque, quando é recordado, deve-o ao assassinato do diretor do «Figaro» Gaston Calmette, a quem a sua segunda mulher crivou de balas.  Com alguma razão, convenhamos: não só esse paladino do «jornalismo de sarjeta» prometera abater, ele próprio, o líder radical, como fizera publicar sobre ele, e em apenas dois meses - de 4 de janeiro a 13 de março de 1914 -, cento e trinta e oito artigos em que se misturavam alguns factos com mentiras descaradas e caluniosas sem jamais aceitar os desmentidos do visado.
No seu livro, agora publicado, o antigo diretor da Biblioteca Nacional francesa, contextualiza tal intriga vergonhosa com a concomitante exacerbação dos ódios nacionalistas, que iriam redundar no conflito mundial.
Ora Cailloux era um aliado do líder socialista Jaurés no propósito de aliviar as tensões internacionais de então, contrariando a pressa com que a Inglaterra e a Rússia czarista pretendiam iniciar o ataque à Alemanha.
Já na Primavera de 1911, quando liderara o governo, Cailloux evitara o recurso às armas durante a crise de Agadir e obstara à ampliação do serviço militar obrigatório para três anos, que era um requisito dos belicistas para conseguirem mobilizar setecentos mil homens capazes de se equipararem aos oitocentos mil fardados ao serviço do kaiser. Argumento inabalável por ele, então, brandido: as imperiosas questões orçamentais.
Foram essas decisões, que lhe valeram o ódio visceral da direita: no pasquim «Action Française» o protofascista Léon Daudet apodava-o de traidor, de vendido, de ignóbil vende-pátrias e outros mimos que tais. Também não o ajudou a recusa em integrar a maçonaria, que era maioritária no seu próprio partido.
Temos, então, formada uma aliança entre o Presidente da República Raymond Poincaré e Clémenceau, que não conseguiam conter a vontade de enviarem milhares de soldados para as trincheiras. E que se sentiam ameaçados pela aproximação das eleições legislativas, que deveriam garantir a vitória à aliança entre radicais e socialistas.
A campanha contra Calmette no «Figaro» destina-se a impedir esse previsível desiderato.
Mas se Caillaux vai resistindo à ofensiva caluniosa contra si, Henriette não suporta ver exposta em público a sua vida privada, sobretudo quando vê publicadas as cartas íntimas facultadas ao jornal pelo irmão da primeira mulher do político. É ciente de estar a proteger o esposo, que ela vai à sede do «Figaro» e dispara quatro balas contra o aparente líder da conjura mediática.
Encarcerada só será libertada pelo tribunal em 28 de julho de 1914. Mas, apesar de nova vitória eleitoral, a coligação de esquerda está ferida de morte porque, Caillaux fica fragilizado com o caso, e Jaurés também é assassinado a 25 de julho. O atentado de Sarajevo, que mata o herdeiro do Império Austro-Húngaro, dá o ensejo almejado pelos belicistas para iniciarem a guerra no início do mês de agosto.
Acaba assim um período de fulgor da história europeia, que impunha a paz a nível mundial e servia de exemplo pelo seu brilho civilizacional. Em apenas alguns dias o suicídio coletivo de todo um continente tornava-se incontornável.
Caillaux passará anos difíceis, porque a falsa acusação de traição é levada muito a sério: aprisionado e quase executado, só em 1924 se verá amnistiado pelo Senado.
O livro de Jamet constitui assim um meritório esforço de redenção de um homem a quem a História não prestou a devida justiça.

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