Há trinta e oito anos, quando tive o privilégio de conhecer o Engº Luís Filipe como meu chefe no navio «Montemuro», logo nele reconheci a enorme admiração pelos jovens acabados de formar e apostados em fazerem um percurso profissional na então ainda significativa marinha mercante nacional. Foi com ele que aprendi o verdadeiro sentido do trabalho em equipa e do respeito de todos os elementos, mais velhos ou mais novos, e com maior ou menor formação, na discussão dos melhores processos para garantir viagens sem incidentes nem acidentes.
Nesses anos imediatamente posteriores ao 25 de abril a minha geração respirava confiança: a guerra colonial deixara de ser uma ameaça, a liberdade andava em todas as bocas e as greves eram a via mais expedita para ganharmos os direitos, que nos eram devidos.
Pensei em tal colega ao ver este punhado de dezassete atores que, liderados pelo dramaturgo e encenador Nuno Pino Custódio, nos facultaram quase duas horas de imaginativa ilustração do que é hoje o quotidiano dos jovens de hoje acabados de sair das faculdades para se sujeitarem ao diabólico mundo do trabalho precário em call centres, em hipermercados, em lojas e outros locais aonde são sistematicamente sobreexplorados, desaproveitados nas suas competências e empurrados para as arenas da competitividade com os seus iguais, donde só são escolhidos os mais capazes de fornicarem os colegas.
E, no entanto, paradoxalmente, se considerava a minha geração talentosa, que dizer desta a quem os modelos de educação propiciados por sucessivos governos - sobretudo os socialistas - dotaram de competências bastante mais significativas? Só podemos considerar um crime o que passos coelho e os seus cúmplices andam a perpetrar ao condená-los à emigração, dando-os assim como força de trabalho de qualidade superior a países, que não gastaram um cêntimo na sua formação.
E, no entanto, quando me propus a ver o espetáculo e li que se trataria de uma abordagem sobre o trabalho precário, julguei que iria encontrar uma representação soturna e de múltiplos queixumes sobre a triste sina de ser jovem hoje em dia no nosso país.
Afinal, pelo contrário, tivemos direito a quase duas horas de soluções imaginativas para ilustrar o quotidiano de tal juventude, na candidatura a empregos para os quais não parecem bastar todos os cursos e formações por que passaram e em que deverão mostrar-se disponíveis para todos os turnos, horários e salários disponíveis. Mas também para o ambiente de linha de produção aonde até para ir à casa de banho só se contam com três minutos. Ou para a concorrência feroz em que todos são convidados a prejudicarem o mais possível o colega do lado, já que, no final, só o menos escrupuloso é contratado. Ou os cursos de formação em que se o ridículo matasse não haveria formador, que sobrevivesse.
Mas a peça também aborda outras vertentes não menos relevantes na vida dessa geração: o facebook como ferramenta de comunicação em que acabam por se revelar as taras ou a frivolidade de uns quantos. O zapping televisivo que dá a ver sempre as mesmas banalidades. Ou os fenómenos de moda (o harlem shake) vividos como escape de frustrações sobre as quais mais vale nem pensar.
«Um Dia de Raiva» acaba por ser uma peça sobre a dificuldade da juventude de hoje em aceder á felicidade. Mas animando-nos para o facto de ela não desistir em conquistá-la!
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