O cinema português teve a desdita de ver passos coelho assumir a (des)governação do país num ano em que se produziram alguns dos mais estimulantes e consagrados filmes da sua História. A decisão de francisco José viegas em eliminar todos os apoios à produção cinematográfica teve o condão de travar uma dinâmica, que se adivinhava imparável e parecia tender para garantir ao cinema luso a mesma relevância internacional colhida nos anos mais recentes por outras cinematografias pouco conhecidas (romena, austríaca, tailandesa), mas cujo mérito artístico tem bastado para assegurar o seu sucesso.
Para um país ávido de rendimentos oriundos do setor exportador, a estupidez da direita em eliminar este, que se adivinhava tão promissor, só revela o seu carácter verdadeiramente criminoso. Quer a nível económico, quer cultural...
De crime fala também «O Barão» de Edgar Pêra, que nos projeta para esse passado de há sete décadas quando salazar impunha a sua ditadura, aqui representada sob laivos vampirescos.
Numa notável interpretação, Nuno Melo corporiza a tirania de um homem, que se julgava no direito de impor a vontade a todo um povo, calado pela ignorância e pela violência mais contundente.
Mas a originalidade sempre presente nos filmes de Edgar Pêra começa a explicitar-se logo no conceito, que nos direciona para esse tempo: teriam sido encontradas recentemente duas bobinas de um filme de série B rodado clandestinamente por uma equipa de produção norte-americana em 1943 no Barreiro e baseado na obra de Branquinho da Fonseca agora restauradas pelo realizador neste remake. Aos americanos teria salazar mandado repatriar. Quanto aos portugueses envolvidos nessa produção, teriam sido enviados para o Tarrafal, aonde morreriam na sinistra frigideira.
Temos, então, um inspetor do ministério a chegar às crepusculares montanhas do Barroso numa recorrência da mesma situação inventada por Bram Stoker para o seu personagem Jonathan Harker na Transilvânia. O objetivo dessa inspeção é o de aferir o comportamento de uma professora de que se haviam recebido queixas pelo seu estranho alheamento das missas do prior local.
Convidado para o castelo do Barão, ele viverá aí uma noite singular em que Idalina, a amante e criada do anfitrião parece suscitar neste um misto de tédio e de sentido de posse, ao mesmo tempo que uma tuna canta temas capazes de pôrem os três a bailar.
O estranho senhor do lugar suscita no inspetor um misto de medo e de fascínio, que o levam a aceitar um passeio noturno pelas redondezas, que se revelará fatal para aquele.
Mas, mais do que a engenhosa história existe o apuro estético de Pêra, com as suas sobreposições de fotogramas, uma fotografia a preto e branco muito contrastada e uma sucessão de diálogos carregados de simbologias e conotações com a realidade - quer a do período mais duro do salazarismo, quer deste presente em que novos barões procuram sobrepor-se tiranicamente às vontades alheias.
Uma experiência visual fascinante!
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