quarta-feira, 3 de abril de 2013

POLÍTICA: A terceira fase das Revoluções Árabes


Nunca fui um entusiasta das Primaveras Árabes nem da «libertação» do Iraque pelas tropas de George W. Bush. Muito embora não pretenda considerar que existam povos mais ou menos preparados para a democracia - longe vá o agoiro, que essa era a tese dos marcelistas para não lhe facilitarem o advento! - existem situações em que vale bem a pena considerar os prós e os contras antes de levar por diante uma estratégia militar.
Hoje é fácil constatar terem morrido milhares de iraquianos que, mesmo oprimidos por Saddam Hussein, estariam vivos e com uma qualidade de vida relativamente aceitável, assim como a generalidade das mulheres tunisinas, egípcias ou  líbias perderam muitos dos direitos, que possuíam nos tempos respetivamente de Ben Ali, Moubarak ou Kadhafi.
Vem isto a propósito de um livro de Gilles Kepel, há pouco publicado em França no qual o autor aproveita o ensejo de uma viagem por diversos países árabes entre 2011 e 2013 para analisar mais aprofundadamente essa tumultuosa mutação neles ocorrida durante esse período.
«Passion Arabe», surgido na Gallimard, defende a necessidade de nem lançar foguetes por causa dessas supostas revoluções libertadoras, nem nos intimidarmos com a ascensão salafista. O autor explica isso mesmo numa interessante entrevista com Sara Daniel para o «Nouvel Observateur»:
Marc Bloch dizia que a História, a exemplo do ogre da fábula, tem fome de carne humana. E este livro é feito de carne. Com essa imensa perturbação, que se verificava no mundo árabe, pareceu-me imperativo mergulhar no coração da sua ressaca como forma de questionar as minhas certezas. Ainda é demasiado cedo para retirar conclusões sobre tais revoluções que, se revelam, no mínimo, contraditórias.
Alguns historiadores mais apressados começaram por celebrá-las como o advento de uma democracia insuflada pela geração do Twitter e do Facebook, para desesperarem depois com a sua apropriação pelo salafismo jihadista.
Em ambos os casos assumem-se conceitos grosseiros em vez de se ir investigar a realidade ao terreno concreto. Ora, para a compreendermos deveremos conhecer as contradições dessas sociedades em vias de se modernizarem, que vivem ao ritmo das televisões transmitidas por satélites como a Al-Jazeera e recebem petrodólares do Golfo, essa influência satânica, que destrói as sociedades árabes e tenta desviar as aspirações originais dessas revoluções.
Depois de uma longa explicação do que sucede em cada um dos casos particulares por onde viajou (Tunísia, Iémen, Qatar, Egipto, Bahrein e Líbia), Kepel conclui: parece-me que a dialética das revoluções foi a seguinte:
Primeiro movimento: queda das ditaduras e dinâmica democrática.
Segundo movimento: a tomada do poder pelos islamistas facilitada pelo apoio financeiro das petromonarquias e calvário da Síria.
Pressinto que chegamos a um terceiro movimento com o regresso à tomada do poder pelas sociedades civis, sobretudo no Egipto e na Tunísia, para contrariar a influência salafista.
A crítica dos islamistas, as cisões dentro dos Irmãos Muçulmanos, a queda abrupta da sua popularidade.
Daí as manifestações em Port Said contra o regime autocrático de Morsi, o «Harlem Shake» com a dança viral na net para satirizar os barbudos.
As revoluções árabes ainda não chegaram ao seu fim e é por isso que convirá estarmos atentos a elas.

Sem comentários:

Enviar um comentário