Aquilino Ribeiro frequenta o Seminário de Beja entre os finais de 1902 e 1904. Viviam-se, então, os tempos crepusculares de uma monarquia cada vez mais contestada pelos súbditos do rei D. Carlos. Mas, por essa altura, o jovem seminarista ainda pouco liga a essas minudências: inquietam-no muito mais o parco regime alimentar do estabelecimento gerido, quer espiritualmente, quer economicamente, pelos irmãos Ançã. Não cuidassem alguns dos internos do colégio de arranjarem vitualhas com que compensavam os jejuns diurnos com lautas ceias de enchidos e vinho e as coisas seriam decerto piores para o futuro escritor. Que não se eximia, porém, de revelar-se irreverente noutros rituais sentidos como completamente absurdos. E que o fazem rir desbragadamente:
Com este P.e Rego sucedeu-me uma cena inaudita uma vez que me chamou à lição de cantochão. Mandou- -me entoar o credo em missa simples gregoriana. E eu pus-me a cantarolar, que para o canto nunca tive dom nem pendor. Ao fim de dois compassos, tomei-me de tal noção do ridículo, que rompi numa risada estrondosa, espalhafatosa, fora de todo o propósito. (…)
Não sei quem foi, dentre os meus condiscípulos, que me soprou ao ouvido, se é que já me não ocorrera, que alegasse sofrer duma sorte de epilepsia mansa, que tanto desatava no riso descabelado como no choro sem justificação. Era uma desculpa sem nenhuma espécie de verdade e repugnava-me. O meu riso o que traduzia era inconformidade visceral por estas práticas obsoletas e teatrais, contrárias à minha maneira de ser, espontânea, franca e desartificiosa. (pág. 73)
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