terça-feira, 23 de outubro de 2012

CINEMATECA: “A Noite do Caçador” de Charles Laughton



A Noite do Caçador foi o único filme realizado por Charles Laughton e tem o condão de nos surpreender com aspetos sempre novos de cada vez que repetimos a sua descoberta. E a nova cópia agora apresentada no Festival Lumière de Lyon, ao que diz a crítica francesa, de qualidade irrepreensível, abre-nos o apetite para voltarmos ao prazer da sua revisitação.
Realizado em 1955 o filme é uma espécie de ovni no universo cinéfilo americano dessa época e até da própria história do cinema, ao acompanhar a fuga poética de duas crianças perseguidas por um psicopata interpretado pelo sempre excelente Robert Mitchum.
Tudo começara, quando Laughton, ator inglês radicado nos EUA, viu a sua carreira declinar depois dos êxitos fulgurantes dos anos 30, mormente no inesquecível desempenho de Henrique VIII, consagrado com um Óscar.
Sendo-lhe dado a ler o romance homónimo de Davis Grubb, ele sente a vontade imediata de levar ao cinema a história desse falso pregador, que seduzia e matava viúvas na época da Grande Depressão, como forma de lhes ficar com os haveres.
Na estreia de A Noite do Caçador, Laughton explicava-o como mostrando a situação dramática das crianças, que têm de aprender como o mal pode surgir-lhes pela frente sob os mais variados disfarces.
Para o papel do vilão a produção considerara diversas possibilidades, como Gary Cooper ou Laurence Olivier. Mas o incomparável crápula seria muito bem entregue a Mitchum por muito que a rodagem se tivesse convertido numa odisseia devido ao seu alcoolismo e incapacidade para compreender, que o projeto era bem mais do que um filme de horror de série B. E para o papel da Rachel Cooper, que recolhe e salva as crianças, Laughton vai buscar uma das grandes vedetas do cinema mudo, a expressiva Lilian Gish, concretizando o conceito de regressar ás origens da sétima arte, e sobretudo a Griffith.
Olhando para o filme descobrem-se cenas memoráveis como aquela em que Mitchum prega, com um sublime jogo de mãos, a eterna luta do amor contra o ódio. Ou o encontro entre Mitchum e Shelley Winters num quarto, que lembra uma capela devido a uma iluminação, que sublinha os contrastes. Ou ainda a  lenta fuga de John e de Pearl, rio abaixo, ao som da banda sonora de Walter Schumann, como se estivessem a ser observados pelos animais da floresta. E ainda a da sombra do chapéu de Mitchum na parede do quarto das crianças…
Houve quem, na altura da sua estreia, o classificasse de expressionista devido ao jogo de sombras e de luzes, que parecia deformar a realidade para a tornar mais expressiva. Mas A Noite do Caçador só tem de europeu a música, já que na história em si, é um conto tipicamente americano alicerçado nos valores culturais do folk e na inevitável presença da religião.
Se o sucesso mitigado do filme parou aí a carreira de Laughton na realização, serviu pelo menos para lhe relançar a carreira de ator, seguindo-se desempenhos em filmes de Billy Wilder, Otto Preminger ou Stanley Kubrick
Só mais tarde, nos anos 60, e sobretudo nos anos 70, é que o filme deixaria os circuitos de culto em que se tornara, entretanto, bastante apreciado, para ganhar uma merecida notoriedade entre críticos e cineastas.
Hoje há muitos que se interrogam quanto à aparente filiação, que os filmes de Tim Burton encontram nesta obra de referência da História do Cinema.

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