No blogue Arrastão, Daniel Oliveira retoma as palavras de apelo ao conformismo de D. José Policarpo e aproveita para analisar o papel da Igreja na Europa dos nossos dias, bem diferente do perspetivado pelo Cardeal Patriarca de Lisboa:
(…) A crise que vivemos na Europa tem uma vantagem para a quem quer reforçar o poder social e político da Igreja: devolve-lhe a poderosa arma da caridade e atira milhões de desesperados para os seus bondosos braços.
Não quero com isto dizer que a razão porque milhares de laicos se dedicam a obras de apoio social seja oportunista.
Conheço demasiados casos para cometer tal injustiça. Sei que entre muitos - a maioria - há uma real compaixão com o sofrimento alheio. E um empenhamento desinteressado. Raramente, no entanto, ele resulta na tomada de consciência das razões profundas da miséria. Demasiadas vezes ela é naturalizada, como se fosse uma fatalidade a que apenas é preciso acudir.
Se não falta quem, no resto da sociedade, ignore a pobreza com "p" pequeno para apenas se interessar com a que tem "P" grande, na Igreja sucede quase sempre o contrário.
Mas não sou ingénuo. E sei o que todos devemos saber: a Igreja, todas elas, é um espaço de poder. Um espaço de poder que o Estado ameaça com as suas funções sociais. E o quotidiano social para o qual nos dirigimos é aquele em que a Igreja se move melhor. E ainda mais quando é o Estado que financia grande parte das suas obras. Há, no entanto, muitas desvantagens na troca da solidariedade institucionalizada pela caridade religiosa. Ela tem um preço: a compra da fé e da consciência. Ela tem um método: não depende da democracia. Ela tem uma hierarquia: o que recebe fica em dívida moral com o que dá. Ela tem uma condição: a perpetuação da pobreza como fonte de poder.
Compreendo a esperança de D. Policarpo e o apelo ao conformismo e ao silêncio. Até agora só recebeu boas notícias. Apenas há um senão: a sociedade portuguesa é hoje muito diferente do que era há cinquenta anos. Nem o poder que a Igreja perdeu será facilmente readquirido, nem os católicos são hoje tão obedientes como eram no passado. Suspeito que se manifestarão, diga o que disser o cardeal.
E a confirmar isso mesmo bastou ver algumas imagens das reportagens televisivas do 13 de outubro em que, interrogados os crentes sobre aquelas palavras, concluíam da necessidade de se manifestarem contra o presente estado das coisas sob pena de nada de melhor conseguirem...
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