É um Almodovar diferente do que ele nos habituou mas, paradoxalmente, aonde estão quase todos os temas característicos da singularidade do seu cinema.
Há um cientista, que perdeu a mulher e a filha em condições trágicas e faz do violador da segunda a cobaia das suas experiências: muda-lhe o sexo e a pele, quase a transformando numa sósia da primeira. Por isso o ódio acaba por transformar-se em amor, razão para a sua definitiva perda ao baixar as defesas em que, até então, se resguardara.
Mas o argumento alimenta-se de cinefilia (o mito frankensteiniano), e complexifica-se noutras revelações para o espectador mas sonegadas aos personagens (por exemplo, a verdadeira identidade da mãe e do irmão do protagonista!), depurando-se diálogos e situações ao estritamente indispensável para garantir a coerência da intriga.
O que Almodovar questiona são os tabus da sexualidade: ao apaixonar-se por Vera, Robert está a desejar-lhe o corpo feminino em que a transformou ou o homem nela pré-existente?
Paradoxalmente o prazer sexual é aqui quase inexistente, porque fundamentado sempre na brutalidade do assédio ou, mesmo da violação. E, mesmo as relações afetivas de mãe para filho são de distanciamento, senão mesmo de estranheza como ocorre na cena final em que Vicente surge na loja da progenitora sob a identidade de Vera e não é reconhecido…
Distante do que de melhor já assinou (“Fala com Ela” ou “Tudo sobre a minha mãe”), este filme de Pedro Almodovar não deixa de ser mais interessante do que os títulos maioritariamente acessíveis nos nossos ecrãs. Pelo menos tem a consistência e a inteligência, que tão raramente nos é oferecida...
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