domingo, 7 de outubro de 2012

ÓPERA: «L'Orfeo: favola in Musica» de Claudio Monteverdi)



A presença de Vincenzo Gonzague, duque de Mantua, em Florença aquando do famoso casamento real entre Henrique IV e Maria de Médicis levou alguns historiadores a apressarem-se na garantia da presença de Claudio Monteverdi na primeira récita de Euridice. Nada confirma essa hipótese, mas certa é a busca de Monteverdi em soluções semelhantes às dos compositores florentinos: atestam-no os seus Livros III, IV e V de Madrigais datados respetivamente de 1592, 1603 e 1605.
Por outro lado Vincenzo Gonzague entendeu que Florença não deveria ter a primazia do prestígio, pelo que encomendou ao seu mestre de capela a musicalização da lenda de Orfeu.
É assim que L’Orfeo, favola in musica, é estreada em 24 de fevereiro de 1607 no palácio ducal.
Monteverdi que pretendia distinguir-se do trabalho dos florentinos quanto ao recurso ao contraponto, optou por se aproximar do chamado stile rappresentativo, o que equivalerá a alargar os limites estabelecidos pelos rivais nesse estilo. Aonde Peri ou Caccini submetiam a música às necessidades da expressão dramática de uma forma algo mecânica, Monteverdi inventa literalmente o drama em música.
A história é exaltada através de uma linguagem harmónica e inovadora, que introduz tonalidades desconhecidas e ruturas de ritmo, conferindo ao drama musical uma intensidade até então desconhecida.
No ano seguinte ele repete o projeto com Arianna que conhece um considerável sucesso - o que na época correspondia a 4mil a 6 mil espectadores.  Esta mesma obra foi retomada em Veneza em 1640, quando Monteverdi se estabeleceu ali como mestre de música da República. Mas, de tal obra, só resta o célebre lamento retomado pelo compositor no seu Livro VI dos Madrigais em 1614.
Foi, então, a vez de Roma se apaixonar pela ópera no início da década de 1620: sob o impulso dos cardeais António e Francesco Barberini - que oferecem a si mesmos o Teatro delle quattro fontane com 3 mil lugares -, de Giulio Rospigliosi que, apesar de decidido a envergar a púrpura cardinalícia (será eleito papa em 1667 com o nome de Clemente IX), não deixou de ser dramaturgo, ou de músicos como Stefano Landi ou Luigi Rossi, Roma transformou-se na nova metrópole do canto lírico.
Refira-se de passagem, que esse mesmo Rossi acompanhara os Barberini para o seu exílio parisiense, aonde, aproveitando a hospitalidade de Mazarino, tinha conseguido estrear o seu Orfeo no Palais Royal em 1647.
A ópera romana dessa época já se distingue bastante da florentina, com utilização frequente de coros e as árias a concentrarem as emoções, deixando para o recitativo a mera função de fazer avançar a intriga.
Atrasada nessa evolução, Veneza vai tentar superar etapas a partir de 1640, começando por inaugurar dois teatros líricos em 1637 (o San Cassiano) e em 1639 (o Santi Giovanni e Paolo), que recorre a preços módicos para atrair as classes populares convidando-as a provar os prazeres até então reservados à aristocracia.
Em 1700 já Veneza conta com sessenta teatros aonde as óperas constituem espetáculos diretamente relacionados com os faustos da sereníssima República e onde as vozes - sobretudo as dos castrati - são particularmente apreciadas
Esquematicamente pode-se considerar que Florença trouxe o recitativo, Roma a música e Veneza a magia.
É nesse contexto que, mais de trinta e cinco anos depois do seu Orfeo, Monteverdi estreia quatro obras, das quais só duas sobreviveram à passagem dos séculos: O Regresso de Ulisses à Pátria (1641) e, sobretudo, A Coroação de Popeia (1642), com base num libreto de Francesco Busenello.
Estando então no auge da sua arte, Monteverdi inova ao substituir a mitologia pela História, já que A Coroação de Popeia é a primeira ópera realista. A verdade dramática das paixões humanas é expressa por uma paleta sonora, que sabe exprimir as emoções, os ódios e o cómico.
Pode-se dizer que com ela a ópera sai da pré-história para entrar verdadeiramente numa nova idade. A ópera veneziana vai partir à conquista da Europa, com os sucessores de Monteverdi: Pier Francesco Cavalli e Antonio Cesti.


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