As Finanças mais não fazem do que movimentar as dívidas entre devedores e credores, comprando-as, revendendo-as, ganhando dividendos com essa circulação de fluxos monetários.
Mas donde vem o dinheiro dos Bancos? - eis o tema deste filme de Jean Michel Meurice e de Fabrizio Calvi, que procura elucidar em profundidade, a origem e as soluções para a crise agora endémica por todo o sul da Europa.
No primeiro episódio desta série extremamente interessante focaliza-se a atenção sobre toda a génese da presente crise e como a ela chegámos!
Supostamente os Bancos deveriam gerir os dinheiros depositados pelos seus clientes e pelos fundos próprios dos seus acionistas. Mas, como eles não bastam para alavancar o crescimento, financiam-se através de empréstimos contraídos junto de outros bancos. Começa aí a escalada das dívidas, que criou o presente estado das coisas.
Os bancos apostam nesses empréstimos, porque quanto maior for o volume das verbas disponíveis para creditarem os clientes nos seus investimentos, maiores serão igualmente os seus lucros.
Só que o crescimento, aparentemente contínuo, dos volumes financeiros movimentados sofre súbitas ruturas, já que são em maior ou menor grau, réplicas do célebre caso da Dona Branca: quando cessa a procura de empréstimos e já não se justificam créditos junto de outros bancos, a engrenagem estaca.
Foi o que sucedeu na quinta-feira negra de 29 de Outubro de 1929, quando esses esquemas de Ponzi tão instituídos em Wall Street foram desmascarados na opinião pública e surgiu a Grande Depressão. Ademais, algumas instituições, como a já inevitável Goldman Sachs, praticavam abertamente a especulação financeira, fazendo subir ou descer títulos bolsistas em função dos seus interesses gananciosos.
De um dia para o outro todo o sistema bancário norte-americano, e o alemão com ele tão estreitamente ligado, deixa de ter liquidez. O dinheiro deixa de circular, as empresas fecham aos milhares, e ascendem a milhões os desempregados sem qualquer cobertura social.
Quem trará a resposta adequada à crise será Franklin Roosevelt, eleito presidente em 1933, ao promover a separação entre a banca de investimento e a banca comercial, única forma de impedir a propagação sistémica de falências no sistema financeiro e agilizar a sua regulamentação.
A Segunda Guerra Mundial irá iniciar os trinta gloriosos anos de crescimento incessante, com os EUA a aproveitarem a circunstância de, ao contrário da Europa ou do Japão, terem o território incólume e aonde as indústrias criadas para a logística do conflito foram facilmente recicladas na produção em série de bens transacionáveis.
Fortes da sua novel condição de superpotência, os Estados Unidos impõem os Acordos de Bretton Woods a toda a comunidade internacional forçada a reconhecer o dólar como referencial nas transações financeiras - a única moeda aceite como paridade com o padrão ouro.
Nessa altura as reservas norte-americanas desse metal amarelo atingiam os 70% do total mundial e os dólares emitidos nos anos seguintes iriam financiar o american way of life, que se instituiria como utopia invejada pelos europeus, então assim dissociados da utopia comunista. Tanto mais que as migalhas prodigalizadas pelo Plano Marshall iriam lançar as bases do Estado-Providência.
A crise começa a prefigurar-se por altura do primeiro choque petrolífero e dos dissabores dos EUA na Guerra da Indochina. Nixon, assoberbado pela atividade especulativa de Wall Street, decide abandonar a conversão entre o dólar e o ouro, numa das primeiras medidas desregulamentadoras, a que se sucederiam muitas outras nas décadas seguintes.
Quando, em 1980, ocorre o segundo choque petrolífero, os estados entraram numa espiral de crescimento das dívidas soberanas prolongada até ao presente desenlace. Que a queda do Muro de Berlim e as derradeiras reservas levantadas pela rivalidade com o Bloco Soviético só incrementariam.
A voracidade dos especuladores financeiros deixa de ter qualquer travão, com Margaret Thatcher a destruir as indústrias britânicas e ao apostar na «libertação das energias criativas» de Wall Street.
Foi o período dessa enorme mistificação, que levou os europeus a acreditarem na desindustrialização e na aposta definitiva na terceirização das economias. Para quê manter os revoltados proletários se, fechadas as fábricas e as minas, se colheriam maiores resultados com a conversão à condição de Bancos de todo o resto do planeta? Nomeadamente com a ajuda dos promissores paraísos fiscais…
A desregulamentação total das atividades financeiras, que resultaram em créditos ilimitados para uma liquidez impossível de controlar por quem quer que fosse, encontrou incremento exponencial nos produtos derivados, espécie de seguros de créditos, logo desenvolvidos em «produtos» cada vez mais complicados de derivados de derivados, de derivados de derivados de derivados, etc…
Os mercados financeiros passaram a reger-se por regras absurdas, cujo sentido último ninguém percebe, por muito que vigore a regra de gerar o máximo valor possível aos acionistas.
O novo capitalismo daí emergido é o da flexibilidade total e da precaridade do trabalho, quebrando a espinha aos sindicatos e reduzindo salários.
Mas os explorados ainda estavam à beira de cair num outro logro: face à cada vez mais obscena desigualdade entre os muito ricos e os indefesos pobres, criou-se a mistificação nestes últimos de poderem manter o seu estilo de vida através do recurso intensivo aos créditos bancários. Com o resultado que se sabe: o crescimento dos incobráveis e a culpabilização de quem se viu acusado de gastar mais do que deveria poder. Quando, afinal, a razão de ser dessa vertigem consumista tinha origem na estagnação ou mesmo recuo do valor real dos salários.
A que se seguiu um outro logro não menos perverso: porque não devem ser os acionistas das instituições financeiras a perderem rendimentos, a solução passou a ser a de redução dos impostos, Vem daí a teoria do Estado gastador, cheio de gorduras, quando afinal ele contempla sobretudo os custos com pensionistas, desempregados, sistemas de educação e de saúde.
O ataque brutal ao Estado Social deriva dessa ideologia rapace, que hoje vive em torno dos fundos especulativos (hedge funds), esse autêntico buraco negro por onde desaparecem enormes fluxos monetários tão indispensáveis à reposição do funcionamento da economia real...
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