Na primeira década do século XX a Psicanálise estava a afirmar-se como metodologia eficaz no tratamento de psicoses e de explicação de comportamentos ditados por traumas contraídos na infância. Em Viena Sigmund Freud ganhara um estatuto de cientista inovador, capaz de pôr em causa muitos dos preconceitos sobre a sexualidade inerentes à púdica sociedade do Império Austro-Húngaro.
Num século que começara com um espírito de abertura perante tudo quanto poderia pressupor modernidade e inovação, a psicanálise significava uma verdadeira revolução quanto à forma como a sexualidade deveria ser vivida e interpretada.
Jung era então um dos principais discípulos do criador da escola psicanalítica e vivia então na Suíça aonde se entusiasmava com a aplicação clínica dessas teorias numa das suas pacientes: a judia russa Sabina Spielrein. Será ela quem lhe desvenda a forma como a humilhação sofrida com as punições paternas em criança a haviam tornado numa adolescente a contas com um sexualidade desequilibrada, porque vinculada a um obsessivo onanismo em que prazer e sofrimento se interligavam em fantasmas masoquistas.
Durante seis anos a empatia entre Freud e Jung, a quem chegara a considerar como o herdeiro dessa nova corrente científica, fora quase sem mácula. Mas uma divergência de fundo começou a estabelecer-se já que enquanto o austríaco defendia a origem estritamente sexual dos traumas dos seus pacientes, Jung contestava tal perspetiva, que chocava com os seus próprios dilemas pessoais. É que, apesar de casado com a doce Emma a quem ia gerando filhos, ele ligara-se amorosamente a Sabina numa relação doentia em que servia de punidor e ela de punida, ambos obtendo um prazer malsão dos encontros clandestinos. Mas não tanto que não começassem a circular boatos e cartas anónimas, quer para Emma, quer para Freud.
Este jamais conseguirá perdoar a Jung a tergiversação perante uma das regras sagradas da prática clínica: a cedência à sedução nele exercida por Sabina.
A viagem em paquete até aos EUA será o detonador do distanciamento entre o mestre e o antigo discípulo: um sonho revelado por Jung a Freud no convés do navio é bem revelador da contestação aos dogmas defendidos por este último e que ele se prepara para equacionar.
Mas Jung acabará por ver Sabina distanciar-se, porque também ela a já exercer a prática de psicanalista, revelar-se-á mais próxima das ideias do mestre vienense do que das do ex-amante, cada vez mais orientado para um misticismo com muito pouco de científico.
Baseando-se numa peça de Christopher Hampton, David Cronenberg retoma com este filme o tema dos monstros íntimos, mesmo num tipo de reconstituição histórica, algo anacrónica na sua filmografia. E conta para isso com um trio de intérpretes bastante eficientes: Keira Knightley demonstra ser bem mais do que a noiva do pirata das Caraíbas e Viggo Mortensen desempenha uma versão simpática de Freud, em contraponto com a que possuíramos com Montgomery Cliff no célebre filme de John Huston. Quanto ao sonso Jung tem o Michael Fassbender a defendê-lo com a impassibilidade do costume.
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